A Redibra criou o R.Talks para oferecer aos seus parceiros e ao mercado um espaço de reflexão e inspiração, com visões sobre tendências e atitudes no momento delicado do COVID-19. A cada semana, o CEO da Redibra David Diesendruck entrevista um especialista nos mais diversos assuntos com uma live no Instagram da Redibra.
Para quem não teve a oportunidade de assistir a live com Carlos Ferreirinha, formador de opinião sobre o negócio Luxo e Premium, sócio da MCF Consultoria, resumimos os principais pontos abordados. O tema da live foi “Resiliência, Ressignificação e Reação”.
David:
Estamos vivendo hoje um momento de VUCA (acrônimo das palavras em inglês: Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity, que significam Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade). Como você sugere que as pessoas se organizem do ponto de vista pessoal, profissional e empresarial para lidar com esse momento?
Ferreirinha:
Eu estou tentando evitar a futurologia, fórmulas e receitas, mas evidentemente quem tiver marca já estabelecida, terá vantagem competitiva no momento pós Covid-19, na retomada do mercado, que estará fragilizado. Viveremos um desmonte socioeconômico significativo e as marcas que melhor realizaram seu dever de casa ao longo dos anos terão essa vantagem. Talvez uma das características principais dessa crise é a quebra das nossas certezas, referências e convicções. Não adianta recorrermos a livros para saber como agir porque na verdade nunca aconteceu nada parecido, nessas proporções, a nível global. Então, momento com minha base de clientes e em minha voz pública, eu tenho tentado traduzir esse momento em três fases de reflexões, que deveriam acontecer paralelamente.
O primeiro ponto que eu julgo importante é nos perguntarmos de forma profissional, empresarial e individual, quem éramos antes dessa pandemia? Por mais dolorida que essa pergunta seja, é fundamental. Eu acho preocupante nossa tendência a projetar no vírus toda a responsabilidade do que está acontecendo e sendo acelerado. Já era claro a necessidade de reflexões, atualizações e de uma expansão do conhecimento sobre o mercado, que já nos colocava diante de variações e rupturas significativas nos últimos dez anos. Quando me pergunto quem eu era antes da pandemia, me deparo com alguns questionamentos. Eu já estava observando esses indicadores e fui resistente, adiei tomadas de decisões? Será que eu fui excessivo na minha viagem egóica de marca? Precisamos fazer uma reflexão honesta sobre esse ponto.
Em segundo lugar, nós somos treinados a vida toda para pensar a longo prazo. É assim desde a infância quando nos perguntam “o que você vai ser quando crescer?”, durante a adolescência quando questionam qual faculdade iremos fazer, enquanto estamos cursando a faculdade e temos que pensar onde estaremos trabalhando quando finalizarmos a graduação. O mesmo ocorre nas empresas e meu discurso, nesse momento, é para que quebremos esse raciocínio do longo prazo e pense no curtíssimo prazo. Não somos treinados para isso, mas o cenário nos pede esse posicionamento. Temos que ser capazes de tomar, diariamente e várias vezes por dia, decisões analíticas urgentes. As empresas romantizam seu mundo profissional com a visão do longo prazo, mas a verdade é que nesse momento não temos noção do que pode acontecer daqui a uma semana ou um mês. Então minha recomendação é de olhar para o curtíssimo prazo.
Por fim, devemos começar a pensar na pergunta contrária: quem seremos ao final dessa travessia? Qual será minha voz, minha retórica de relacionamento, como me reapresentarei? Não vamos retornar ao mesmo ponto em que paramos. De que forma a marca que eu tenho hoje vai se posicionar? Eu vejo a demora de marcas líderes de mercado em mostrar seu posicionamento, então eu digo para que você comece agora a trabalhar e se perguntar quem será após a pandemia.
David:
Eu tenho escutado de algumas pessoas que esse momento é similar a quando fazemos nossa lista de resoluções de final de ano, com o que vamos deixar para trás e o que podemos melhorar, isso está de acordo com os três pontos que você colocou. E em nosso talk com a Andrea Bisker, ela falou uma frase que marcou muito: “é melhor o feito do que o perfeito”, pois ficamos muito tempo deliberando entre o “faço ou não faço” e acabamos não fazendo nada.
Ferreirinha:
Para fazer uma complementação ao que a Andrea falou, eu sou da escola profissional da excelência, da obsessão pelos detalhes e pelo extraordinário, eu me pautei profissionalmente dessa forma e minha inteligência de gestão de luxo me moldou dessa forma também, mas esse é o momento em que a obstinação por completo tem que ser coadjuvante. Você precisa ser realizador, sem sombra de dúvidas agora é melhor ter o feito do que o perfeito. É o olhar imediato e latente para o curto prazo que pode durar um dia, duas horas, uma semana.
David:
Eu tive a oportunidade de participar de um dos seus fóruns e você citou uma frase de Alvin Toffler que tem servido de mantra para mim esse ano. Ele diz: “O analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender, e aprender novamente.” Como podemos fazer em nossas empresas para que isso se torne uma cultura?
Ferreirinha:
Eu tenho usado essa citação de Toffler de forma muito intensa nos últimos dois anos e é interessante porque Toffler faleceu há quatro anos e essa citação tem pelo menos seis anos. Ela aparece em seu livro “Choque do Futuro”, um brilhante ensaio dele, que foi um escritor e futurista americano. Precisamos entender que se torna analfabeto quem não consegue quebrar as suas verdades, convicções e certeza absolutas. Isso foi dito anos antes do cenário que vivemos atualmente. Aqui reside o maior obstáculo do aprendizado, que não é se colocar disponível para aprender e, sim, quebrar as barreiras das suas certezas. Nos colocamos diante de um conhecimento, mas o analisamos através da nossa perspectiva e valores pessoais, o que gera um bloqueio.
O primeiro exercício que vejo que é fundamental é exercitar o princípio de que não precisamos ter todas as verdades. Nem todas as citações precisam vir de nós. Temos que parar de nos apropriar das citações e reflexões de outras pessoas a ponto de internalizá-las e verbalizá-las como se fossem nossas. As empresas se colocam em posições muito resolutas e absolutas, e deixam de permitir ao outro o local de fala, é importante que façam o exercício da escuta ativa. As empresas precisam descontruir o modelo tradicional organizacional empresarial que tem aproximadamente sessenta anos, pois ele envelheceu.
Estamos em um momento em que a expressão da solidariedade e da responsabilidade social evidentemente está mais reverberada. Na maior parte das empresas, esse braço responsável pelas ações sociais ou fica abaixo do marketing ou da área de recursos humanos. A responsabilidade social, que é o papel dos novos tempos de um conceito sustentável, não possui voz de autonomia dentro das empresas. Esse é um exemplo claro de empresas que precisam descontruir o modelo tradicional e passar a ouvir mais o que está acontecendo, de forma ampla e plena, diante dos nossos olhos. É necessário permitir mais a quebra hierárquica que limita o aprendizado, e isso é mais do que derrubar as paredes dos escritórios, pois nada muda se o indivíduo continuar administrando suas equipes através do Whatsapp e dentro da hierarquia da mesma forma.
Eu vejo que esse exercício da citação de Toffler, o fundamental para mim, é que as empresas precisam ter a coragem para realizar a desconstrução dos modelos organizacionais. São estruturas estáticas, que desenham planejamentos estratégicos para três anos, enquanto o mercado vem criando uma velocidade de ritmo alterada nos últimos dez anos, mas as empresas continuam acreditando que apenas um diretor pode apresentar uma ideia ao presidente, em um formato padrão de PowerPoint. O processo e a velocidade das novas informações têm que ser mais fluidos, o modelo atual quebra a possibilidade dessa fluidez.
David:
Você fala que a pandemia trouxe muitas coisas que sabemos que deveriam ter sido feitas, mas não foram, e agora estamos correndo atrás. Relacionando essa afirmação com alguns pensadores, outra teoria já vinha sendo questionada, é a de que as empresas existem apenas para gerar lucro. Já há uma corrente que diz que a empresa, na verdade, faz parte de um ecossistema e tem que haver a preocupação com os stakeholders. Como ficam os colaboradores, fornecedores, meio ambiente? Gostaria que você falasse sobre essa transição – que já deveria estar acontecendo – e qual a importância do ecossistema com um todo.
Ferreirinha:
Essa é uma continuação da reflexão sobre o aprendizado dentro das empresas. No modelo tradicional da gestão do capitalismo que reconhecemos nos últimos cinquenta anos, o capital e o lucro sempre foram a perseguição número um. Essa á uma das razões da discrepância absurda que vemos em termos de diferenças sociais nas economias mundiais. Por mais que hoje a gente viva uma crise brutal nas economias mundiais, não estamos vivendo uma crise de pobreza. O mundo tem muito mais dinheiro disponível circulando em riquezas do que no último século, só que o modelo tradicional faz com que não enxerguemos isso porque as concentrações desse dinheiro são absurdas. A busca o tempo inteiro pelo lucro isolado fez com que não percebêssemos o surgimento da comunidade periférica que estava ao lado das fábricas e escritórios e a importância da circulação da economia.
Esse novo conceito de stakeholders e ecossistema é uma reflexão de muitos anos. Há uma pressão nas empresas para se perceber essa diluição de resultados que não pode acontecer apenas visando o lucro há muito tempo. E de que forma eu vejo que isso será acelerado? Eu não tenho a ilusão de que a maior parte de nós sairemos dessa situação de Covid-19 mudados, mais conscientes, sustentáveis e responsáveis. Acredito que passaremos por essa oportunidade, mas será a mesma sensação da lista de resoluções de final de ano, quando dois meses depois já estamos quebrando todas as promessas.
O que verdadeiramente pode acelerar esse processo, que já está atrasado dentro das empresas de forma vergonhosa, é um movimento da economia real de assumir o papel de pontuar as empresas no momento de apresentar seu balanço no mercado de capitais ou de colocar suas ações para serem valorizadas na bolsa. Nesses momentos, a economia real deve pontuar as empresas por suas ações sociais, pelo seu conceito de economia circular, sua capacidade de ser sustentável, pela sua inteligência de diversidade. Apenas dessa forma veremos as estruturas adequadas ao novo movimento. As empresas precisam ser favorecidas em seus resultados se passarem a ser medidas mercadologicamente por esses novos princípios de um ecossistema mais condizente aos tempos atuais e isso será potencializado pelo Covid-19.
A pandemia acentua a discrepância social no mundo. Vou usar uma citação em inglês: “the weaker will get weaker, the stronger will get stronger”. O estrago é tão forte que se não estivermos atentos para o fato de que os fortes sairão mais fortes e os fracos sairão destruídos e não reorganizarmos isso pela economia real, o consumidor não vai conseguir se recuperar na mesma velocidade que o mercado. Agora é o momento de haver acordos nas bolsas de valores do mundo inteiro, para olhar esse cenário e criar o processo de pontuar as empresas pela sua persistência na economia circular, pelo conceito de sustentabilidade e responsabilidade. Dessa forma teremos um princípio genuíno de aceleração para esse novo ecossistema.
David:
Já existe esse movimento, de grandes fundos, que dentro do cenário atual estão pautando suas decisões de investimento em alguns desses pontos que você indicou. É o mercado reagindo.
Ferreirinha:
Esse é o ponto. Você tem os exercícios realizados por instituições espetaculares. Já existem certificações e normatizações e, ainda assim, hoje estamos lidando no Brasil com uma situação de questionamento da veracidade ou não da OMS. Então é importante que um fundo como o Blackstone chegue a uma rodada de captação de alavancagem financeira e indique esses pontos como critérios de participação. O que não pode acontecer é que tenhamos empresas gigantes que esqueçam de sua responsabilidade socioambiental, mesmo sendo alertadas a respeito.
O que me assusta é que empresas como essa continuam fazendo alavancagens financeiras no mercado, enquanto outras menores que precisariam desses investimentos para sobreviver, não têm acesso. Isso acontece porque o mercado de capitais ainda não é pautado por uma inteligência de novos códigos de exigibilidade para os novos tempos. Enquanto esse cenário não mudar, outros Brumadinhos vão acontecer, a resposta do capitalismo para isso é “faz doer no bolso”. E quando realmente doer no bolso, comprometendo resultado de acionistas e stakeholders, as grandes empresar terão que sair da teoria e realmente começar a praticar e aplicar as medidas necessárias.
David:
Como marca, nesse momento, qual a melhor maneira de comunicar suas ações, mas de forma verdadeira e sem perder a coerência?
Ferreirinha:
Esse é um ponto sério, pois nesse momento fica claro quem tem uma transparência genuína em seus propósitos e ações e possui coerência em seu diálogo. É nesse momento que se revelam aqueles que estão realmente pautados pela genuinidade da transparência e, também, se revela o poder midiático. Eu digo que o que mais me assusta nisso tudo não é o equívoco, pois faz parte testar e errar. O que me incomoda é como empresas que têm estrutura e renome se perdem em uma viagem de vaidade, presunção e arrogância, aonde acham que a marca é capaz de qualquer coisa, inclusive de neutralizar um erro gigante confiando em uma equipe composta por duas pessoas e apenas um tomador de decisão, sem compartilhar com mais ninguém.
Estamos em um momento em que as ideias devem ser compartilhas e testadas em mais ouvidos, percepções e realidades sociais. É necessário entender que muitas vezes você se posiciona de uma forma, mas poderia ter se dado o direito de ouvir, até mesmo dentro da sua própria equipe, que há outras perspectivas. Muitos dos equívocos de comunicação que vêm acontecendo são por causa dessa cultura de tomadas de decisões de forma unilateral, geralmente pelo mesmo perfil de pessoas que não se colocam em uma prerrogativa de compartilhar e, assim, ouvir uma opinião contrária que pode evitar uma catástrofe de posicionamento e comunicação. É fundamental realizar uma reflexão da diversidade das opiniões.
A visibilidade das redes sociais potencializa tudo, não vivemos no cenário de dez anos atrás, aonde os erros eram resolvidos pela assessoria de imprensa enviando uma carta e uma retratação na edição seguinte de alguma revista. Hoje o erro é reverberado em segundos e, para essa velocidade, não é possível deixar toda a tomada de decisão na mão de duas, três pessoas. É necessário se permitir compartilhar e ter, dentro da sua equipe, pessoas com autonomia genuína para dizer quando é melhor que algo não seja feito. Falta uma inteligência maior para ouvir o outro e se perguntar sobre o que é adequado ou não no momento.
O que deve ser protagonista no cenário atual é a sua atitude perante o relacionamento com todos os seus stakeholders. Não precisa ser algo midiático, mas sim uma construção sua com seus funcionários e fornecedores, sem arrogância ou presunção. Esse é um dos efeitos do Covid-19, não importa se você é uma das maiores marcas do mundo, no final do dia todo mundo está trancado em casa, em distanciamento social e se sua marca foi penalizada com o fechamento de uma dinâmica de consumo, ela também não vendeu. Esse momento demanda uma palavra simples, que todas as marcas precisam compreender: humildade. Há uma diferença entre convicção e arrogância. Devemos ser convictos, mas não presunçosos com relação ao poder de nossas empresas e marcas.
David:
Um exemplo recente que tangibiliza o que você falou é o Elon Musk, que sempre defendeu o meio ambiente, agora está ameaçando tirar a fábrica da Califórnia, porque quer que os funcionários voltem ao trabalho durante a quarentena.
Ferreirinha:
Esse é um momento que revela muito sobre as empresas e as pessoas. O mesmo ocorreu com Jeff Bezos, CEO da Amazon, durante o epicentro da pandemia em Nova Iorque, quando antes mesmo de mostrar qual seria o posicionamento da empresa dentro do cenário, cria uma campanha pedindo doações inclusive dos funcionários. Isso ocorreu porque ele não se permite, dentro do seu castelo pautado pelo distanciamento, ouvir de qualquer outra pessoa que uma ação dessas não teria eco no mercado. Não estou dizendo que não faz sentido você usar seu poder de voz para criar uma campanha dessas, mas para isso ter sentido, primeiro é necessário mostrar o que você está fazendo também.
David:
Uma pessoa que tem se tornado referência ultimamente é o historiador israelense Yuval Hahari. Em uma entrevista recente ele disse que tudo é uma questão de escolha. Para concluirmos nossa conversa, eu gostaria te perguntar quais são as suas escolhas, sintetizando tudo o que conversamos, qual sua mensagem final para sairmos melhor desse cenário e lidarmos melhor com a situação?
Ferreirinha:
Durante esse período, a minha reflexão mais difícil tem sido nessa linha. Tenho refletido muito sobre quem serei ao longo e depois dessa travessia. Quais serão as minhas escolhas e meus princípios de aprimoramento como gestor, empresário, empreendedor, indivíduo etc. Hoje, as minhas escolhas estão pautadas em pessoas. Quem se relaciona comigo sabe que minha vida é pautada em relação ao outro, seja de forma profissional ou pessoal. As minhas escolhas têm sido fazer de tudo para ajudar aqueles que estão comigo no meu dia a dia profissional. Até mesmo os que eu tive de desligar, estou ao lado comprometido em ajudá-los nessa travessia. Essa é a minha escolha prioritária: me colocar disponível ao outro.
O R. Talks acontece toda quarta feira, as 16h na live do Instagram @redibra.
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