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Atualizado: 20 de ago. de 2020


A Redibra criou o R.Talks para oferecer aos seus parceiros e ao mercado um espaço de reflexão e inspiração, com visões sobre tendências e atitudes no momento delicado do COVID-19. A cada semana, o CEO da Redibra David Diesendruck entrevista um especialista nos mais diversos assuntos com uma live no Instagram da Redibra.


Para quem não teve a oportunidade de assistir a live com Sidney Rabinovitch, sócio fundador da FOM, resumimos os principais pontos abordados. O tema da live foi “Marcas que tocam”.


David: Adaptação é a palavra-chave do momento que estamos vivendo. Qual é a principal lição que você poderia compartilhar com a gente sobre todas as vezes que você teve que se readaptar durante sua trajetória?


Sidney: Minha trajetória profissional antes da FOM sempre foi cheia de mudanças, mas eu sempre fui movido pelo que me comovia e interessava. Comecei minha carreira trabalhando no mercado financeiro com bancos, já nessa época percebi que eu era um cara comercial. Depois, fui atrás de um sonho – eu sempre fui apaixonado por motocicletas e era o início do momento do motociclismo no Brasil, então me joguei nessa aventura e, na sequência, eu entrei na indústria de hospitalidade, onde fiquei por quase 15 anos.


Essa guinada de vida até o começo da FOM, 15 anos atrás, não foi pensada, ela foi provocada por uma demissão. Quando eu fui demitido (e foi a primeira vez na vida que isso ocorreu comigo), eu resolvi me reinventar e saí de uma vida inteira na área de serviços para ir trabalhar com produção. Mas eu nunca tive nenhuma aptidão para produzir nada. Nessa época, a Betina – minha esposa – estava voltando de uma feira de decoração na Europa e eu pedi que ela trouxesse algum item que ela encontrasse por lá e tivesse potencial para ser produzido aqui também, para que conseguíssemos iniciar um novo negócio. Foi aí que ela trouxe uma almofada pequena que era produzida com a matéria prima utilizada hoje na FOM, as micropérolas de poliestireno.


Quando eu vi aquilo, eu abri a peça, as bolinhas caíram em cima da minha mesa e eu comecei a enxergar diversas possibilidades para aquele material. Ali nasceu a ideia de criar a FOM. Dividi essa ideia com a Betina e iniciamos a empresa com uma produção de fundo de quintal mesmo, mas eu precisava encontrar algum cliente para aqueles produtos. Comecei a ir atrás disso e consegui a oportunidade de realizar uma exposição importante na Tok&Stok, que foi o momento de apresentarmos o puff FOM e ganharmos a Tok&Stok como cliente. Esse foi o primeiro momento de vida da FOM.


David: No Brasil tem muita gente que empreende, que dica você daria para um empreendedor iniciante?


Sidney: Eu não quero repetir o discurso de sempre sobre resiliência e perseverança. Eu me lembro que quando eu comecei a empreender a minha situação era diferente de muitos, porque eu era mais velho, com família e diversas responsabilidades. Fui questionado diversas vezes sobre essa decisão. O que eu fiz e foi o que me ajudou, mesmo sendo algo custoso, foi construir um firewall. Eu criei um bloqueio para não escutar as pessoas ao meu redor, é duro dizer isso, mas foi como eu agi.


Qualquer pessoa que se aproximasse de mim de forma adversária ao que eu estava fazendo, ou me questionando sobre minhas atitudes, eu não escutava e assim, eu não me abalava. Eu só me aproximei de pessoas cujas perspectivas poderiam me agregar em algo, tanto profissional quanto pessoalmente. Então, minha recomendação é essa. Construam um firewall, encontrem uma maneira de se proteger, pois esse início é extremamente solitário.


Eu não fui um jovem empreendedor na criação da FOM, como hoje vemos tantos empreendendo, eu vinha de uma série de trabalhos na área de serviços que não tinham nada a ver com o que eu queria fazer, o que tornava meu desafio ainda mais disruptivo. Hoje eu falo da FOM e as pessoas sabem o que são os produtos, um dos grandes assets da marca é o próprio nome, mas 15 anos atrás eu estava apenas fabricando almofadinhas no quintal de casa e essa era a forma como eu era visto, inclusive por amigos que acabaram se afastando.


David: A FOM se transformou em uma love brand com o passar dos anos. Mais do que clientes, vocês possuem verdadeiros fãs da marca, isso foi planejado? A que você atribui esse sucesso?


Sidney: Não foi planejado, eu sou péssimo de planejamento. Eu sou mais executivo e empreendedor do que planejador. Tenho mais facilidade em realizar do que em planejar. Quando eu comecei a trabalhar a FOM no varejo e acreditava que ela poderia ter seu espaço próprio, mais do que produtos de prateleira em outras lojas. O que eu queria mesmo era abrir lojas em shoppings, porém não tínhamos dinheiro para isso, então fomos pelo caminho dos quiosques, o que se mostrou bastante assertivo. A experiência de estar nos corredores do mall e fornecer uma experiência tátil aos nossos clientes ajudou no crescimento desse amor pela marca. Apenas através das fotos das almofadas não tínhamos como gerar a percepção do que é o produto, mas ao tocá-los, o aconchego e o bem-estar se tornam algo que pode ser adquirido junto com o produto.


Isso acontece com todos os públicos, principalmente pelo fato de nossos quiosques serem abertos, sem nenhuma barreira entre os passantes e os produtos. Essa experiência tátil é sem dúvida um dos principais motivos pelos quais os clientes se apaixonam pela FOM, é nesse momento que eles percebem que o produto além de ter uma estética bonita também é funcional, ele se adapta ao corpo do cliente. Essa é a espinha dorsal da empresa, faz parte da alma do produto. Nós projetamos acessórios de conforto e bem-estar que possuem a capacidade de envolver o corpo das pessoas.


Nesse mundo de carência, a FOM se tornou uma marca afetiva pela relação intimista com os clientes. Ninguém desfila com os produtos, os clientes têm uma relação pessoal com eles. Durante a pandemia nós notamos muito isso, em um momento de recolhimento e isolamento, o FOM acaba gerando uma relação de afeição, é um tipo de contato e acolhimento. Inclusive entendemos que é por isso que estamos tendo um bom retorno nesse período, há uma relação que as pessoas possuem, de forma subliminar, com o contato com a peça.


David: Como vocês veem a responsabilidade de manter a relação com seus clientes, que podemos inclusive chamar de fãs, uma vez que eles têm tanto carinho pela marca?


Sidney: Essa relação sempre passou por algo que não sei como precisar. Eu não sei como explicar nosso relacionamento com os fãs, mesmo tendo histórias incríveis para mostrar sobre ele. Minha ambição desde o início era que a marca fosse uma Gillette – sinônimo de categoria. Inclusive o nascimento do nome tem muito a ver com isso, eu estava pensando em nomes para a marca enquanto me barbeava, com um tubo de espuma de barbear (foam, em inglês). Enquanto eu estava com a espuma branca na minha mão, com a mente no empreendimento que estava nascendo, eu segurei o tubo de espuma e, sem querer, tampei a letra “a” e a palavra “FOM” apareceu.


Eu nunca optei por fazer venda e marketing através das mídias clássicas, todo o investimento que eu fiz no sentido de transformar a FOM em uma love brand foi com nossa presença nos shoppings, sabendo que essa seria a nossa oportunidade de estabelecer contato de forma perene. Já estávamos vivendo as crises das mídias, eu me lembro que no meu último emprego antes da FOM, voltado para área comercial e de marketing, eu percebi que a parte do budget voltada para as mídias clássicas não trazia mais o mesmo retorno de antes. Então entendi que a maneira mais direta de me relacionar com meus clientes (ainda não tínhamos nem redes sociais na época), seria com a presença no maior número possível de pontos de venda.


David: A FOM hoje é encontrada em lojas, quiosques, aeroportos. Qual a importância dessa distribuição e como você mantém esses pontos de contato da marca relevantes e com novidades para os clientes?


Sidney: Na verdade, além da operação de varejo, a FOM se tornou um grupo. Temos uma estratégia com marcas desse grupo que nos auxiliam na distribuição. Então, para entrada dos nossos produtos onde não conseguiríamos vender FOM, criamos a FLOC em 2018. Temos também a Casa FOM, um projeto para levar a FOM de maneira mais intimista, com a construção de ambientações de livings, móveis maiores e novos acessórios. Abrimos um braço para brindes, com a FOM Gifts, trabalhando a área corporativa e a FOM in Company, para levarmos nossos produtos para empresas de diversos portes, realizando a venda localmente.


Por último, nasceu também em 2018 nosso braço de exportação, que sempre foi um dos nossos maiores sonhos, pois enxergo a marca com uma global player. Começamos esse trabalho no final de 2018, com distribuição dos produtos para a França, depois abrimos em Portugal e na sequência no Panamá. Tivemos uma aceitação legal nessas regiões e a intenção é seguir com a distribuição internacional para estarmos em vários lugares do mundo. Temos um produto diferenciado, com pouca concorrência, uma variedade grande de SKUs que compõem cerca de 8 coleções novas por ano, o que é um grande atrativo para o varejo. Além disso, nosso produto funciona em todas as datas comemorativas do calendário do varejo, não temos problema com a inserção de produtos no mercado por sazonalidade, gênero ou idade.


David: Você comentou que age mais com a intuição do que com planejamento, mas ainda assim criou todas essas ramificações para atender públicos diferentes em situações diferentes. Você tem alguma dica sobre o processo de criação dessas outras empresas do grupo e como você sentiu essa necessidade?


Sidney: A FOM passou por uma fase difícil, nesse momento eu senti que precisava reestruturar a empresa, mas acabei a desestruturando. Nessa sequência, algumas coisas conspiraram para que houvesse mais processos e marcas dentro do grupo. Tudo isso tem a ver com pessoas, hoje sabemos mais do que nunca que toda marca é feita human to human. Durante essa reestruturação, a FOM formou um time incrível e esse time começa com a entrada do meu filho na empresa. Ele trouxe uma cultura importante para nós, começando com a questão de impacto social e depois complementou com a criação de processos, principalmente na área de finanças e departamento pessoal. Nesse momento, algumas pessoas que eram chaves no nosso processo interno se especializaram, investiram em mais conhecimento e agregaram ainda mais valor às suas funções e equipes.


Os processos melhoraram muito por causa do time incrível que conseguimos montar e isso aconteceu muito recentemente. Pouco tempo depois dessas mudanças, passamos por uma situação dificílima. Fomos vítimas de uma enchente, que deixou nossa fábrica embaixo de uma inundação de mais de um metro de água. Quando cheguei ao escritório nesse dia, eu já tinha noção do estrago pelo que eu vi através das câmeras de segurança e quando entrei, sem nenhuma instrução prévia, vi toda a equipe trabalhando em conjunto para tentar resolver a situação, da forma que podiam. Apenas um mês após o episódio da enchente, chegou a pandemia. O resumo disso é que só foi e está sendo possível passar por essas situações por conta das pessoas que forma nosso time.


O que posso dizer a respeito de processos é isso. Traga pessoas mais inteligentes que você e pessoas que possuam experiência. Também olhamos o match dessas pessoas com a marca, algo que é essencial para nós. Toda a nossa equipe hoje é composta de novos colaboradores, desde produto, marketing, comercial até a parte de franquias e chegaram nesse maremoto de acontecimentos, com menos de um ano de empresa. Meu filho tem um ano e meio de empresa. Mas todos se encontraram e a partir disso criamos processos com metodologia e ciência algo que não tínhamos antes.


David: Já falamos algumas vezes sobre story telling e story making, a FOM tangibiliza o que é o story making?


Sidney: A FOM possui na alma dela uma característica que eu encontro na Betina, minha esposa. Toda a parte de conforto que é a matéria prima principal da empresa, oferecer conforto aos clientes, eu sei que vem dela e da forma como ela consegue levar isso para a nossa marca. Durante o período de isolamento o pessoal do marketing criou um conteúdo sobre a história da FOM e acho que isso fica evidente nesses vídeos que tentam ilustrar nossa jornada até aqui. Quem tiver curiosidade, pode encontrar esse conteúdo em nosso Instagram.


Nós vivemos um novo momento, e eu acho que quem resistir a ele, vai transmitir muito mais verdade em cima do que for trabalhado. Inclusive no mundo de produtos, onde atuamos. A efetividade e a maneira do que é feito, por quem e para quem é feito, vai girar em torno dessa verdade quando chegarmos ao “noral” (o novo normal).


David: Você tem uma perspectiva tanto de indústria quando de varejo. Quais as iniciativas que a FOM tem tomado durante a pandemia e como você enxerga que vocês vão sair desse momento?


Sidney: As primeiras semanas da pandemia forma angustiante pois não tínhamos noção do cenário que se desenhava. Em pouco tempo tivemos uma resposta fantástica ao optarmos por seguir o caminho no digital, que era algo que já tínhamos estruturado e o fato de sermos uma empresa verticalizada, englobando fábrica e varejo, se tornou uma vantagem, pois contamos com logística própria e um e-commerce vigoroso. A partir daí começamos a nos reunir através de vídeo chamadas para turbinar esse novo processo, até o momento que os números começaram a chegar. Isso nos deu ímpeto para nos acalmarmos e fazermos a empresa voltar a se movimentar e se preparar para o momento da volta.


Essa volta será bastante complicada, onde os stakeholders ainda não estão em sintonia, principalmente shoppings e lojistas. Grande parte das pessoas ainda não sabem como vão pagar as contas no final do mês, é uma volta complicada do varejo nesse momento. Esse novo normal ainda não está natural, nós nos preparamos para a volta recentemente, mas as pessoas que estão indo aos shoppings ainda não estão preparadas. É uma situação muito angustiante que vivemos nesse momento.


David: Você poderia compartilhar algumas das suas fontes de inspiração? Entre autores, sites, séries, blogs, etc.?


Sidney: Eu estou com um block enorme para ler livro nesses últimos três meses. Tudo que eu tenho lido tem sido através das telas, mas eu tenho me segurado a algumas coisas para me manter mais estruturado nesse momento e, entre as pessoas que eu tenho lido (principalmente artigos), eu gosto de destacar Tal Ben-Shahar, que é um psicólogo de Harvard que fez um dos TEDs mais vistos no mundo, no qual ele fala sobre felicidade e sobre viver o momento, ele traz um reforço psicológico que me agradou durante esse período.


No lado financeiro, eu sempre gostei muito do Nassim Taleb (professor da NYU), eu acho que é muito oportuno para esse momento. Ele escreveu o livro A Lógica do Cisne Negro, que fala sobre imprevisibilidade e a maneira simplista que lidamos ao tentar achar respostas para coisas que não são tão simples assim. Outro livro dele é o Antifrágil, que fala muito sobre resiliência e a capacidade de resistir, algo que eu acredito que seja a marca de todo empreendedor.


Por último, como indicação, eu acho muito importante também o lado espiritual. Preciso muito de combustível espiritual nessas situações. Quando abrimos a FOM, eu comecei a meditar e meditava duas vezes por dia, depois eu não consegui mais fazer isso com a mesma frequência, estou voltando para isso. Acredito que meditação e yoga são coisas muito importantes e a FOM tem também uma correlação com isso, é uma possibilidade de entrada dos nossos produtos. Mas hoje, um canal de espiritualidade que me faz muito bem, é do Nilton Bonder. Estou com um livro de cabeceira que indico para todo mundo, que é o “Cabala e a arte de manutenção da carroça”, você finaliza essa leitura em 20 minutos, mas o lê pela vida inteira. Ele fala sobre lidar com buracos, tropeços e escassez, ele sempre me traz um caminho.


David: Você tem alguma mensagem final para deixar?


Sidney: Pensando sobre o empreendedorismo, me vem à cabeça que uma das maiores escolas para isso é ser pai. É uma empreitada incrível, então fazendo a conexão com o começo dessa conversa, eu tenho dois filhos que me ensinaram muito nessa empreitada e tenho uma esposa que faz parte desse trabalho incrível. Eu agradeço a todos dessa FOMília. Para finalizar, se for possível empreender de forma familiar, aprender com seus filhos e toda a vivência em conjunto é fantástico. A escola da família é o melhor suporte no momento de empreender. Eu trago isso porque acredito que seja a história da nossa marca.


O R. Talks acontece toda quarta feira, as 16h na live do Instagram @redibra.

Atualizado: 20 de ago. de 2020


A Redibra criou o R.Talks para oferecer aos seus parceiros e ao mercado um espaço de reflexão e inspiração, com visões sobre tendências e atitudes no momento delicado do COVID-19. A cada semana, o CEO da Redibra David Diesendruck entrevista um especialista nos mais diversos assuntos com uma live no Instagram da Redibra.


Para quem não teve a oportunidade de assistir a live com Otávio Juliato, CCO da Omelete Company e cofundador da CCXP, resumimos os principais pontos abordados.


O tema da live foi “Entretenimento e potencial de consumo dos fãs”.


David: A Omelete já existe há mais de 20 anos e foi recentemente renomeada como Omelete Company. Hoje, ela é uma das maiores empresas de entretenimento no Brasil. Você poderia nos contar um pouco sobre o começo dessa história?


Otávio: A Omelete nasceu há 20 anos, eu não estou nessa jornada desde a sua fundação, mas ela é a união de apaixonados pelo mundo geek, principalmente o universo dos super heróis e a intenção, na época, era levar informações para o maior número de pessoas, inspirar mais pessoas e unir essa comunidade. Ela nasceu para levar a cultura pop, que estava muito em cima do pilar dos super heróis (não existia esse movimento que existe hoje), aos fãs que consumiam, principalmente, histórias em quadrinhos. A ideia era que fosse o primeiro veículo brasileiro a levar o entretenimento e a cultura “nerd” a sério.


Outro dia estávamos recordando sobre isso e, inclusive, para quem tiver curiosidade a nossa equipe de conteúdo lançou uma cápsula do tempo da Omelete, para que os fãs possam acompanhar desde a primeira matéria que foi publicada. É muito legal acompanhar como foi a evolução do conteúdo nesses últimos 20 anos. Dentro desse conteúdo, temos o caso de uma matéria de 80 páginas sobre o Homem Aranha, nos dias de hoje, quem leria uma matéria de 80 páginas em algum site? É surreal pensar na evolução da criação de conteúdo na internet, ver como começou e como é feito hoje em dia.


David: Vocês criaram, há 6 anos, a CCXP, inspirados na Comic Com de San Diego. Hoje a CCXP é um dos maiores eventos do mundo geek no mundo, com aproximadamente 290 mil pessoas no evento de 2019. De onde veio o insight de criar a CCXP no Brasil, ainda mais em 2014, quando o país já estava em um período difícil?


Otávio: Você está correto, nós realmente empreendemos durante a crise com a CCXP. Mas acredito que no final das contas, uma coisa puxou a outra. Desde os anos 2000, com a criação do Omelete, o nerd passou a ter um espaço como algo pop. Hoje, duvido que em qualquer lugar que você vá, você não encontre pessoas apaixonadas por um game, uma série, um estilo musical diferente, personagens, histórias, filmes. Com a vinda da tecnologia e, principalmente, com a ida dos heróis para os cinemas, por volta de 2001/2002, o público geek cresceu, o conteúdo saiu do nicho que ocupava e transbordou, se tornando multiplataforma, atraindo bilhões de fãs em todo o mundo.


A CCXP veio a partir da percepção de que já alcançávamos cerca de 7 milhões de jovens todos os meses nas redes do Omelete (que sempre teve seu contato no meio digital) e sentimos a necessidade de construir uma celebração para esse público. O fã de música tem centenas de oportunidades entre shows e festivais no Brasil e milhares em todo o mundo. Essas celebrações de paixões aconteciam, mas não havia nada para o nosso público celebrar com seus amigos e comunidade, com as pessoas que dividem a mesma paixão. E entre esse público, estão os fãs de cinema, de séries, super heróis, entre outros.


Existe um conceito chamado collective joy, que fala sobre o potencial que existe na alegria quando ela é compartilhada e coletiva. É o que ocorre em estádios de futebol no momento de um gol, com milhares de pessoas unidas celebrando o mesmo momento. A CCXP surgiu para criarmos um templo onde pudéssemos celebrar com nossos amigos, fãs e todas as comunidades geeks, de uma forma única. Com isso criamos um espaço não apenas para os fãs celebrarem, mas também para as marcas conseguirem se conectar com suas audiências no ambiente que elas frequentam. Dentro da CCXP o público sai ganhando ao participar do evento, os estúdios ganham pois se aproximam dos fãs e criam novas experiências a partir dos seus conteúdos e as marcas ganham a oportunidade de se conectar aos consumidores de forma nativa e orgânica, fazendo parte da história deles com seus personagens, sagas, etc.


David: Outra coisa que nos chama a atenção na CCXP são as filas e isso mostra a assertividade das atrações e das marcas que participam do evento. Você poderia dividir com a gente como funciona o processo de curadoria de vocês, na hora de selecionar essas marcas?


Otavio: Nós estamos falando de fãs, o que envolve paixão. Com os fãs, nós construímos uma relação, estamos lidando com pessoas. Isso envolve mais do que ações de marketing e promoções, que também funcionam, mas não é o caso nessa situação. Não há nada mais assertivo em uma relação do que escutar. Precisamos nutrir as relações de alguma forma, entender e ter empatia. Então, acreditamos que um dos grandes diferenciais é que do nosso negócio, é que não é um negócio de evento. Não somos produtores de eventos – nem a Omelete Company, nem nenhum dos outros sócios da CCXP.


A CCXP é feita por empresas voltadas aos fãs, que possuem relações que transcendem o evento e duram 365 dias por ano. O que mais fazemos durante os 361 dias em que a CCXP não está acontecendo é escutar os fãs, entender o que eles consomem, com quais personagens eles se identificam, qual é a base de fãs que existe nas nossas plataformas, o tamanho dela e como ela se comporta com relação ao consumo de conteúdo. Então, se eu publico uma matéria sobre Star Wars ou faço um review de um jogo, eu sei como meus fãs reagem com relação àquilo. Eu sei a opinião deles e dou abertura para escutar essa opinião.


Essa relação – que já tem 20 anos – é muito poderosa. Com isso, a gente não precisa adivinhar nada, a construção dessa relação é feita todos os dias e no final, a CCXP materializa a relação que criamos com os fãs. A grande dica que podemos dar para as marcas é que invistam na relação com o fã. A decisão de compra do fã, é emocional, então se você consegue se contar com ele, nutrir essa relação, e caso você não tenha canais próprios para isso, mas puder se associar a marcas que conseguem criar essa relação de forma relevante, é o caminho para você entender o fã e ter produtos assertivos.


As marcas mais antenadas vão pelo caminho da construção da relação para garantir essa assertividade. Você pode vender um caderno com uma capa do Superman, por exemplo, isso vai criar uma conexão com esse fã, mas é preciso ir além disso. Talvez o grande diferencial hoje seja investir na relação e nos fãs. Essa é a mensagem que precisamos levar para as marcas. Não ser apenas o storyteller, mas também o storymaker, se apropriar da história e trabalhar nos seus canais. Se conectar e ouvir os fãs é o grande segredo.


David: Muitas das filas são, também, para as lojas. Você acha que o fã é mais resiliente ao consumo?


Otávio: Eu acho que a palavra talvez não seja resiliência. O comportamento e a decisão da compra, para o fã, é um processo diferente porque é uma decisão mais emocional e menos racional. O fã é estimulado por uma série de impulsos o tempo inteiro. Ao consumir um conteúdo ele é estimulado a viver aquela história de alguma forma e, muitas vezes, ele encontra um item que ativa o sistema límbico no cérebro (área que controla nossas emoções e que, também, está próxima à área do cérebro responsável pelas decisões). Quando você tem um componente emocional associado à uma decisão tomada, há uma sensação diferente à de tomada de decisão racional. Nessas situações, ativamos uma série de hormônios que fazem o fã realizar o compra por ele ser realmente apaixonado por aquilo.


Recebemos milhares de pessoas na CCXP e ainda assim, reativamos diversas histórias todos os anos. Pessoas que vêm de lugares distantes, de outros estados e países – recebemos públicos de 25 países diferentes e de todos os estados do Brasil. Essas pessoas chegam na CCXP e enfrentam filas enormes para encontrar os produtos que desejam, muitos deles, inclusive, que são exclusivos do evento, o que também é uma forma de valorizar a presença do fã dentro da CCXP e da celebração como um todo. E esses fãs estão ali dispostos a gastar com esses colecionáveis, com obras de arte, enfim, com o que é oferecido na feira, mesmo que muitas vezes sejam itens de alto valor agregado.


O momento de compra do fã na CCXP é muito especial. O ambiente que é criado no evento, é feito para potencializar esse consumo consciente, mas direcionado a viver uma experiência que o fã não poderia viver fora dali. Existe o lado de trabalhar esses impulsos para que as pessoas tenham o consumo consciente em cima disse. O mix de produtos que trabalhamos é estudado em diversas reuniões com os players, para que seja baseado na entrega de uma experiência de varejo e produtos realmente interessante para os fãs.


David: A Omelete Company possui dois grandes projetos: A CCXP e a GameXP (RJ), ambos presenciais. Nesse momento de pandemia, como ficam esses eventos?


Otávio: Essa pandemia nos acertou em cheio, fomos bastante afetados. Inclusive, com as circunstâncias atuais já adiamos a CCXP Colônia, que aconteceria no final de junho na Alemanha. Já estávamos em fase de pré-produção desse evento e, além disso, em fase de expansão da CCXP para outros países.


Antes de pensarmos em pandemia e como isso afetou os eventos como um todo, precisamos ter noção de que falar sobre o futuro dos eventos é pior do que acertar na loteria. Vejo muitas lives sobre o futuro do entretenimento, dos eventos, mas tentar adivinhar isso hoje, é muito complicado. Mas eu acho que já havia um movimento que estava acontecendo com relação a esse tipo de evento, que é o movimento da digitalização como um todo, há muito anos, em todos os segmentos e nós já vínhamos acompanhando essa tendência.


Então, hoje, nós temos discutido em diversos fóruns formas de respeitar as regras de segurança que devem ser respeitadas no momento que o evento acontecer, mas sem deixar de entregar a experiência para o fã. Se o evento vai ser físico, digital ou híbrido (o “figital”), sinceramente ainda não sabemos, mas estamos trabalhando em todos esses cenários e, tanto a CCXP, quanto a GameXP irão acontecer. A celebração em si já acontece o tempo todo, marcar isso com um grande evento vai acontecer também, iremos apenas decidir de que forma. Estamos observando as indicações dos países que já estão tendo o retorno de suas atividades – a própria Alemanha já retornou e estamos observando outros países da Europa e da Ásia – para tentar prever um pouco do futuro.


David: Recentemente vocês fizeram a Super Live Nerd, como foi essa experiência?


Otávio: A Super Live Nerd nasceu entendendo o comportamento dos fãs em casa, buscando entretenimento, como o objetivo específico de unir os nerds no combate à Covid-19. Foi uma experiência inovadora, do ponto de vista de tecnologia, pois colocamos literalmente todo mundo em casa – diferente de outras lives que tiveram parte do conteúdo gravado. E, segundo o YouTube, foi a primeira iniciativa no mundo em que todos entraram de casa ao vivo o tempo todo.


Foi um desafio para o nosso time, montamos um centro de operações na Omelete Company, com poucas pessoas, seguindo todas as regras de segurança, mas todos os 50 participantes estavam em suas casas. Arrecadamos pouco mais de 21 toneladas de alimentos, que foram distribuídas através do Instituto Gerando Falcões. Essa iniciativa mostrou que o nerd não tem rótulo, no nosso line-up tinha desde casting da Globo até representantes da comunidade nerd, gamer, músicos e todos em prol de celebrar o dia do orgulho nerd e ajudar no combate da Covid-19.


O conceito como um todo foi muito legal, bastante disruptivo para nós e com certeza estamos de olho nesse formato, que pode ser expandido para outras iniciativas. Estamos acostumados a realizar lives no Omelete, já realizamos há alguns anos, mas esse formato mais técnico, direcionado também para ajudar outras pessoas, unindo toda a equipe mesmo trabalhando de casa, foi muito legal.


David: Os fãs de games são uma nova aposta da Omelete Company?


Otávio: Sim, na verdade não é uma nova aposta, mas temos direcionado bastante a nossa energia para o segmento de games. É o entretenimento do futuro, para nós já é o do presente. O Omelete, desde o começo, sempre teve a sessão de games dentro do site e acho que poucos sabem a respeito, mas em pouco tempo ele se tornou a segunda seção mais acessada. Sempre houve uma grande procura por esse conteúdo, mas o tamanho do mercado de games é muito diferente do mercado geek tradicional.


Existe uma clusterização de audiência, a comunidade é diferente e a maneira de se comunicar com ela é muito específica, por isso criamos esse “spin off” da seção de games do Omelete, o The Enemy, que hoje talvez seja o portal de games mais respeitado do Brasil. É nesse portal que trabalhamos hard News sobre games, lançamentos de consoles, novas tecnologias, o que as indústrias estão preparando. Com a criação do The Enemy, abrimos uma avenida para começar a integrar o ecossistema que nós temos – que hoje é baseado em conteúdo, gestão de comunidades, live experiences e varejo – e criar uma inciativa proprietária para games também.


A GameXP foi o primeiro game park do mundo, com um conceito super disruptivo em termos de experiências para gamers. Temos as maiores telas de e-sports do planeta, com todas as competições legais e pro-players acontecendo dentro do evento, com música rolando e ao mesmo tempo, um parque de diversões onde você pode entrar numa arena de Fortnite com uma laser tag e ter uma experiência imersiva do jogo com seus amigos.


O mercado de games tem um tamanho que poucos sabem, mas somando o mercado de música com o mercado de cinema, não chega ao total de gamers. É um negócio gigantesco, com quase 2.7 bilhões de pessoas no mundo envolvidas nesse mercado, mesmo que nem todos se qualificam como gamers. Inclusive, no Brasil, quase 70% das pessoas que jogam não se consideram gamers, mas estão se divertindo com jogos. E aí entra uma quebra de paradigma sobre como devemos nos comunicar com essa audiência, pois a gestão de comunidades no segmento de gamers é complexa entre os gamers.


No Brasil são quase 80 milhões de pessoas que se conectam com games de alguma forma, desde as pessoas que nasceram há quase 50 anos jogando Atari, e ainda jogam até hoje algum tipo de jogo, até as crianças de 5/6 anos que estão jogando também. Todos estão unidos pelo universo de joguinhos e de entretenimento eletrônico. É um mercado muito grande e olhamos para ele do ponto de vista de experiência para o fã, mas ainda existe um layer para olharmos para esse mercado e para o potencial desse negócio como uma plataforma de mídia e conexão que poucas marcas estão olhando ainda. Inclusive com oportunidades de monetização e licenciamento.


Por último, investimos recentemente no Gaulês, o maior canal de streaming de games do Brasil e um dos 10 principais do mundo. Estamos aprendendo muito com esse canal, porque o público que acompanha a transmissão de e-sports tem a paixão que move a comunidade nerd aliada à alegria e à transformação que a torcida de qualquer esporte possui. É uma combinação desses dois mundos. Estamos começando a entender essa comunidade e acreditamos que em alguns anos a penetração dos e-sports será igual à de esportes tradicionais. Ainda é uma audiência jovem, que está presente em plataformas jovens – como a Twitch e outras que foram criadas especialmente para que a experiência de engajamento dessa comunidade com os streamers se conectem de uma forma única. Existe um valor nessa conexão e nessa nova forma de audiência que estamos descobrindo e trabalhando e tem nos trazido muito aprendizado sobre esse novo território.


David: Na Redibra, nós procuramos valorizar e oferecer mentoria para conteúdos nacionais. Na CCXP vocês têm esse espaço também. Como você vê o desenvolvimento e o potencial do conteúdo nacional?


Otávio: O Brasil é um celeiro de grandes profissionais. Temos casos de programadores, designers e vários profissionais dessa cadeia da economia criativa espalhados em todos os grandes produtores de conteúdo no mundo. Falando especificamente de games, quase todos os publishers possuem profissionais brasileiros em suas áreas de criação.


Eu acho que talvez exista ainda uma de visão para esse mercado, falando especificamente do nosso território, que é ligado ao conceito de economia criativa, no qual o Brasil se destaca. Temos um potencial enorme para nos destacarmos cada vez mais, a própria CCXP é um exemplo, em teoria é um evento que deveria acontecer na meca do mercado da cultura pop – que seriam os Estados Unidos – e não no Brasil.


Infelizmente ainda precisamos furar uma bolha, pois o ambiente como um todo não possibilita a criação de um ecossistema com diversos players para esse mercado ainda. Não existe uma iniciativa coordenada, nem das próprias associações que olham para esse mercado, para criar um grande Brasil com uma visão estratégica para a economia criativa. Não há linhas de financiamento e nem investimento nesses profissionais. Eu fui a um evento em São Francisco no qual o foco é o trade e vi grandes publishers utilizando esse espaço para recrutamento de desenvolvedores, programadores, designers.


É um ecossistema completamente diferente, que vem desde a base de formação de profissionais. Aqui nós temos excelentes profissionais formados na área criativa, mas quando chega ao mercado de trabalho, não temos vetores para capitalizar e ampliar essas iniciativas e absorver nossa própria mão de obra, aí ela escapa e vai para fora. E isso não acontece apenas no setor de games. O brasileiro tem a característica de ser criativo e quando colocamos isso em termos de empreendedorismo e economia, a economia criativa como um todo é um mercado que incentiva tecnologia e conteúdo, ou seja, há uma série de indústrias que poderiam ser turbinadas através dela, mas acabam não tendo a atenção que deveriam ter.


David: Nesse mundo de incertezas que estamos vivendo, você tem alguma certeza?


Otávio: A mensagem que eu deixo para todos é que a gente tem notado que o consumo de conteúdo tem aumentado em todas as plataformas, independente do canal que você estiver usando, se conectar com uma história, com um personagem e virar fã, faz parte da natureza humana, precisamos disso.


Talvez isso nunca tenha tido um efeito tão positivo quanto no momento atual. Minha mensagem é essa: continuem se apaixonando pelos personagens e histórias. Existe um grande ecossistema por trás disso que não vai parar de celebrar essas paixões. Vamos continuar criando ambientes e momentos para essas celebrações e mais histórias ainda para que as pessoas possam se apaixonar. A paixão do fã não acaba, mesmo em casa isolado, existem opções para ele se conectar com outros fãs e agora ele pode encontrar outras formas de realizar essas conexões, como talvez ele não fizesse antes.


Quando voltarmos, estaremos mais fortes, conectados e apaixonados pelos conteúdos e com mais vontade de consumir e viver essas experiências. Estamos bem capacitados no Brasil, mesmo com um ecossistema não tão grande quanto gostaríamos, mas com profissionais capacitados para manter a paixão das pessoas quente para vivermos o que gostamos.


O R. Talks acontece toda quarta feira, as 16h na live do Instagram @redibra.

Atualizado: 25 de jun. de 2020



A Redibra criou o R.Talks para oferecer aos seus parceiros e ao mercado um espaço de reflexão e inspiração, com visões sobre tendências e atitudes no momento delicado do COVID-19. A cada semana, o CEO da Redibra David Diesendruck entrevista um especialista nos mais diversos assuntos com uma live no Instagram da Redibra.

Para quem não teve a oportunidade de assistir a live com Mônica Gregori, co-fundadora da CAUSE Brasil e especialista em branding e comunicação estratégica, resumimos os principais pontos abordados. O tema da live foi “Qual a importância do propósito para as marcas?”.

David: Para começarmos, você poderia explicar qual a diferença entre causa e propósito?


Mônica: Dentro da CAUSE nós cunhamos esse termo, pois existe realmente muita confusão entre o que é causa e o que é propósito. Para nós, a causa é o que conecta o propósito de uma organização ou pessoa com as demandas da sociedade. A sociedade muda e cada vez mais temos demandas diferentes, para que você se engaje com essas demandas é preciso olhar através das lentes do seu propósito e entender qual é a causa que te permite, de alguma forma, entregar algo de valor que a sociedade esteja demandando.


Costumo dizer que a causa pode mudar à medida que as demandas e o contexto da sociedade mudam, mas o propósito não, ele é a razão de ser, tanto das organizações quanto das pessoas. É pelo propósito que levantamos da cama todos os dias e fazemos o que temos que fazer, isso não muda, já as causas que escolhemos defender, sim. É assim que definimos na CAUSE, não existe certo ou errado, mas entendemos que essa definição funciona.


É preciso pensar qual é o seu chamado perante a sociedade. As empresas e as marcas possuem seus chamados – com as marcas sendo uma dimensão maior das empresas, por terem uma natureza intangível e serem um resumo de experiências e relações. Acredito que as marcas, cada vez mais, têm buscado mostrar a que vieram e que seu papel é maior do que a venda produtos e serviços. A venda é importante, mas não é mais suficiente para definir uma marca nesse cenário.


David: A impressão que eu tenho é que antigamente a conversa sobre propósito era uma coisa de sala de recursos humanos, uma demanda necessária, mas de forma política. Você sente que essa conversa rompeu a barreira da sala de recursos humanos e passou a ser algo realmente importante dentro das empresas?


Mônica: De fato, hoje em dia fala-se muito em propósito e eu tenho medo quando os termos passam a ganhar tanta notoriedade, porque eles passam a correr o risco de serem banalizados. O propósito é algo muito sério e podemos até encontrar outros nomes para isso, como essência ou legado. Jung já falava sobre a busca de significado na vida de todo ser humano e que sem isso sua vida se torna vazia.


Eu enxergo que a palavra está na moda, mas sem dúvida existe um avanço e uma preocupação maior das marcas e empresas sobre se conectar mais e revelar quais são os seus propósitos. Muitas vezes o propósito existe, mas não está institucionalizado, as pessoas não sabem qual o propósito da organização e isso é importante pois ele ajuda a empresa a se guiar. O propósito funciona como um conjunto de princípios, posicionamentos, crenças e de objetivos e te orienta nos momentos de tomada de decisão.


Nesse sentido, eu acredito que o propósito começou, sim, a sair da sala de recursos humanos para começar a fazer parte da reflexão de algumas empresas de forma mais ampla. O caminho ideal é de que ele chegue aos CEOs e ao conselho das empresas e, assim, comece a ser visto como um ativo estratégico e seja refletido na forma de se relacionar com seus stakeholders, nos seus produtos, serviços e, também, em sua comunicação.


É assim que eu penso a respeito da forma com que as empresas tratam a questão da responsabilidade social – outro termo ao qual eu criei horror. Não podemos deixar esse assunto dentro de uma caixinha em um departamento, é algo que não pode ser terceirizado, deve ser parte do DNA das empresas e tem que ser vivenciado e praticado por toda a organização, do CEO ao porteiro. Ainda não chegamos lá, mas estamos no caminho.


David: Escutamos bastante que falar sobre causa e propósito é algo apenas para multinacionais. Eu queria ouvir de você qual o seu pensamento sobre isso. É um mito?

Mônica: Com certeza é um mito. Todo ser humano tem um propósito e empresas são conjuntos de seres humanos. É mais fácil construir o seu negócio baseado em seu propósito e visão de mundo quando você tem maior domínio dele. Em empresas multinacionais, às vezes isso é mais difícil, por diversos motivos. Já existe o movimento do capitalismo consciente, para orientar as empresas a trazerem seus propósitos à mesa de discussão e as próprias empresas B, como a CAUSE, que fazem com que desde o nosso contrato social nos comprometamos com objetivos ambientais, sociais e econômicos. São escolhas que vêm a partir desse conjunto de crenças e do que podemos oferecer para o mundo.


Isso tudo é mais fácil em empresas menores, que têm um dono com uma visão e que se relacionam com a sociedade na qual ele vive. Todas as empresas têm um propósito, é necessário olhar para dentro e tirar a poeira de cima, porque muitas vezes as coisas são feitas pela sobrevivência, sem pensar muito, mas o propósito é importante para a perpetuação e institucionalização da cultura dessa empresa. Isso não significa que as demais atividades das empresas devam ser deixadas de lado, mas cada vez mais elas vão se diferenciar pela forma com que exercitam, colocam em prática e expressam seu propósito.


David: Como foi se processo no empreendedorismo, principalmente no segmento que você escolheu?


Mônica: Minha história começou há muitos anos na Kodak, na área de marketing, onde construí uma carreira típica. Eu tive o privilégio de trabalhar com grandes marcas durante minha trajetória. A Kodak, na época, ia além do produto que vendia. Nós vendíamos a possibilidade de as pessoas capturarem momentos. Depois trabalhei na Kellogg’s, na Disney e eu sinto que essas empresas têm as gestões de marca e de propriedade muito fortes. Alguns anos depois fui para a Natura, justamente na área de branding tendo a oportunidade de criar essa área em conjunto com o CEO da marca na época, quando os fundadores da Natura estavam se distanciando da operação.


Eu sempre fui apaixonada por branding e tive o privilégio de trabalhar com grandes marcas e sempre senti a importância que as marcas tinham em relação à transformação da realidade em que vivemos. Esse clique se tornou mais forte trabalhando na Natura, e sou muito grata por ter amadurecido essa visão enquanto estava lá. É possível como empresário, como executivo, estar em um ambiente que não seja apenas próspero, mas que também possa transformar a sociedade. Com toda essa bagagem me veio o estalo para entender que era a minha vez – junto com meus dois sócios – de arriscar e levar esse aprendizado para outras organizações e mostrar como podemos fazer a gestão de marcas as relacionando a causas transformadoras.


Essa mudança é difícil. Quando nos tornamos executivos o primeiro pensamento é “não quero mais ter chefe, horário, vou empreender”. E quando vemos, ao invés de um chefe, temos trinta, poque cada cliente é um pouco nosso chefe. Ainda assim, eu sinto que foi uma evolução natural da minha carreira e estou bastante contente com essa decisão.


David: Você entende que as demandas da sociedade brasileira se refletem no momento do consumo? Os brasileiros estão dispostos a pagar por um consumo socialmente correto?


Mônica: Eu acho que sim, lógica que não todos, mas grande parte deles sim. O fato de um produto ser socialmente correto não significa que ele não tenha que ser bom e competitivo, posso inclusive citar a Natura como exemplo. Ela não é a marca que possui os produtos mais baratos, mas quando você consome os produtos de marcas com esse posicionamento você não está consumindo apenas a responsabilidade social delas.


Há uma entrega de qualidade nesses produtos e cada vez mais as pessoas querem olhar por trás das etiquetas e enxergar que há empresas que, sim, conseguem fazer seus produtos – em diversos segmentos, inclusive o da moda, que costuma ser muito polêmico quando o assunto é responsabilidade social – tratando dignamente seus fornecedores.


Essas atitudes serão determinantes em um futuro próximo, com relação à decisão de compra. Sabemos que nada substitui a qualidade dos produtos e serviços, mas em breve a transparência e a responsabilidade social também serão itens default para a tomada de decisão.


David: A CAUSE faz desde 2016 o levantamento de qual a palavra que define o ano para os brasileiros. Em 2016 a palavra foi indignação, 2017: corrupção, 2018: mudança e em 2019: dificuldades. O que aprendemos com essa palavra do ano e como conseguimos utilizar isso de uma forma mais prática nas empresas?


Mônica: Na verdade, a palavra do ano resume o sentimento da sociedade naquele momento. E esse sentimento vai refletir dentro das organizações também. Quando pensamos em 2019, com a palavra “dificuldades”, ninguém pode contestar isso de alguma maneira. A partir disso, sabendo que as pessoas estão se sentindo assim, você pode desenvolver uma série de estratégias para a empresa – inclusive de comunicação – atribuindo essa palavra a um dos sentimentos que têm que ser debatidos de alguma forma para tentar realizar uma mudança.


Olhando para 2020, não acredito que a palavra do ano será positiva. No começo do ano, em janeiro, me fizeram essa pergunta e eu respondi que achava que esse ano a palavra poderia ser evolução, ou alívio. Mas na verdade entramos em um ano de vácuo, incertezas, não sentimos que estamos construindo nada e isso é muito angustiante. Mas é esse o sentimento e temos que levá-lo em consideração na hora de se comunicar e definir estratégias.


É a mesma coisa que estamos passando com a pandemia. Eu acredito que toda empresa tem que manter suas vendas de produtos e serviços, mas tem que ter pertinência na comunicação. Não é o momento de comunicar o que não é realmente necessário. As marcas derrapam nesse momento porque não fazem a leitura do contexto e do sentimento da sociedade como um todo.


David: Você acredita que as empresas que não possuem um propósito bem definido serão impactadas comercialmente em algum momento? Elas receberão menos investimentos e serão mal vistas pelo consumidor, quando ele ligar suas ações ao que as marcas fizeram durante a pandemia?


Mônica: Eu acredito que isso vai acontecer, a sociedade evoluiu mais rápido do que as empresas e o consumidor, como parte da sociedade, também. É o consumidor que força as empresas a se posicionarem, serem transparentes e a terem metas ambientas e sociais. A partir do momento que o consumidor se torna mais consciente e questionador, ele tem mais poder.


No começo da minha carreira, eu me lembro que o consumidor não opinava em nada, as empresas tentavam controlar as demandas de consumo da sociedade, a partir do que elas tinham a oferecer. Isso na verdade é incontrolável, então, as empresas cada vez mais devem ter um radar muito forte do que está acontecendo lá fora.


Para estreitar e fortalecer o vínculo com seu público, não apenas com seus consumidores, as marcas precisam se posicionar. Essa ação vai fazer com percam pessoas, mas estreitem seu vínculo com outras. Não é possível agradar a todos, nós vemos marcas corajosas que já escancararam seu posicionamento, como a Nike e Netflix, por exemplo. Não dá mais para achar que existe um muro entre a sociedade e a marca.


David: A CAUSE desenvolveu a pesquisa “Causas para observar em 2020”, que é dividida nos seguintes pilares: saúde, educação, desenvolvimento econômico sustentável, direitos humanos e valorização da ciência. Como uma empresa pode utilizar essa pesquisa para identificar qual causa, dentro desses temas, ela pode adotar? Quais os critérios as empresas devem utilizar para isso?


Mônica: Em relação à pesquisa, já é o segundo ano que realizamos esse projeto, para que as pessoas possam realmente observar quais as causas que existem e são mais críticas. Esse ano, por conta da pandemia, decidimos abrir um pouco mais esse leque e vimos que várias outras causas se tornaram mais críticas ainda nesse momento. Por exemplo, saneamento básico, como é possível que ainda permitamos que isso aconteça? E como podemos pedir para uma população que não tem acesso a saneamento básico lave as mãos cinco vezes ao dia para se proteger do vírus? O que mais me chama a atenção é o quão atrasados estamos em relações a temas tão estruturantes e básicas.


Quando uma empresa decide abraçar uma causa, a ciência utilizada deve ser a de fazer aquilo que é possível ser sustentado através dos três “Cs”: convicção, porque é algo que deve vir de dentro do seu propósito, do que você acredita e vai defender não por estar na moda, mas que realmente tenha a ver com seus princípios como organização ou indivíduo; coerência, o que é possível fazer coerentemente para todos os seus públicos (clientes, colaboradores, fornecedores), então é importante pensar em causas que sejam relevantes para seu ecossistema para que a causa escolhida não seja apenas de prateleira; consistência, porque não estamos falando de uma campanha de marketing, nada é transformado de um dia para o outro.


Se não houver convicção, coerência e consistência, é melhor não fazer nada para não trabalhar com uma causa que não tenha verdade e comprometimento. Essa é a minha dica para quem está começando no mundo das causas, mas ainda assim, é uma área mais fácil e apaixonante do que se imagina.


David: Você poderia nos passar algumas dicas de livros, sites, pessoas, que você tem como referência, para quem quiser se aprofundar mais nesse tema?


Mônica: Tem muita coisa, mas indico a autora Naomi Klein que fala muito sobre a nova relação de consumo com as marcas e, também, Humberto Maturana, que fala sobre a biologia cultural e do amor, algo muito interessante para refletirmos sobre a forma que nos organizamos como sociedade. Com relação a branding, eu indico Simon Sinek – criador do Golden Circle.


Posso passar várias dicas, mas o que eu digo sempre é para que todos conversem com as pessoas, leiam o jornal, conheçam o que está acontecendo da porta para fora. Essa é uma prática nossa dentro da CAUSE, em alguns projetos nós contratamos antropólogos, vamos para outros lugares e isso e muito rico, pois nos passa o que realmente está acontecendo e qual é o sentimento lá na ponta.


Nossa cabeça tem que ser plural e temos que ter referências que mostrem essa diversidade de temas e assuntos, para aí capturarmos quais são as demandas e discussões da sociedade. Estamos sendo bombardeados por discursos de ódio, fake news, e às vezes fica cansativo conversar com as pessoas, mas não deixem de fazer isso.


É muito importante as empresas saberem o que acontece fora dos seus portões. Quando eu fico muito monotemática, sinto que estou emburrecendo, então é importante abrirmos a cabeça para outras coisas que estão acontecendo no mundo. Para mim essa é a melhor referência que eu posso dar: conversem com as pessoas.


Estamos em momento em que, mais do que ativar nossa escuta, temos que ter uma escuta generosa, estamos realmente dispostos a ouvir o outro. É um momento de muita angústia e fragilidade, mas se soubermos nos afastar um pouco e ter um outro olhar, veremos que também é um momento de transformação e renascimento, da forma como a nossa sociedade se organiza. Não adianta acharmos que temos que voltar ao que éramos. O mundo já estava ruim, agora ele está pior, então quem sabe agora consigamos sair diferentes disso e construir algo melhor para todo mundo. Sabemos que o amanhã vai ser duro, mas temos a oportunidade de fazer um amanhã diferente.


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