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A Redibra criou o R.Talks para oferecer aos seus parceiros e ao mercado um espaço de reflexão e inspiração, com visões sobre tendências e atitudes no momento delicado do COVID-19. A cada semana, o CEO da Redibra David Diesendruck entrevista um especialista nos mais diversos assuntos com uma live no Instagram da Redibra.


Para quem não teve a oportunidade de assistir a live com Lyana Bittencourt, diretora executiva do Grupo Bittencourt, resumimos os principais pontos abordados. O tema da live foi “Delivery de tudo”.



David: A Bittencourt compartilhou com a gente um documento muito bacana chamado “Realign your core business” – Realinhe o seu negócio. Esse documento possui uma série de reflexões muito bacanas e já inicia com o seguinte questionamento: quem você é hoje funciona para quem você tem que ser? Agora eu gostaria de fazer esse questionamento para você, como a Bittencourt está conduzindo esse processo de transformação?


Lyana: O Realign foi uma interpretação que fizemos a respeito das mudanças que o mercado havia de fato realizado e como poderíamos seguir no futuro. Eu acho que o que a pandemia trouxe não é novo, só é uma potencialização daquilo que já vinha sendo pedido. Essa mudança do consumidor não é resultante da pandemia, ela foi reforçada nesse período. Nó vimos o aprendizado digital pelo qual o consumidor passou e a equalização do comportamento de consumo – quando pensamos que todos ficaríamos dentro de casa e que teríamos que usar o digital como fonte de contato com o mundo externo, reabastecimento de alimentação etc.?


Esses comportamentos foram reforçados na pandemia e o Grupo Bittencourt não acredita em processo de aprendizagem. Uma vez que algo é aprendido, você não tem como voltar e desaprender algo que você experimentou e fingir que não existe, você experimentar outras coisas e mudar de novo. Mas o aprendizado digital aconteceu, então os negócios foram forçados a desenvolver a omnicanalidade, colocar o consumidor no centro e entregar a ele hiperconveniência.


Há negócios que são absolutamente transacionais e analógicos, quando fazemos esses questionamentos a pergunta é se esse modelo consegue persistir ao longo do tempo. Para nós está claro que não. O modelo analógico não entrega o que o consumidor pede, não tem inteligência suficiente para isso e no modelo transacional falta conexão emocional, que é algo que os consumidores pedem há muito tempo. Não é de hoje que se fala que empresas com propósito possuem mais chances de sucesso, porque elas têm fãs e embaixadores que são os próprios clientes.


Os consumidores, inclusive durante a pandemia, se questionaram se as marcas que eles usavam se comportaram adequadamente nesse período, se elas olharam o que estava acontecendo com o mundo mais do que apenas para o seu lucro a curto prazo. Eu vi muita gente dizer que estava anotando quais as marcas com as quais iriam continuar se relacionando e quais não. A pandemia realmente veio reforçar a necessidade de mudança. Quando a gente faz esse questionamento, é uma questão de modelo de negócio e sobre o que você entrega, se é um produto ou uma solução para o seu cliente.


Nesses 120 dias a Bittencourt se transformou muito. Uma das grandes transformações que a gente provocou nesse período foi com relação a um evento que fazemos há algum tempo. O Fórum Internacional de Gestão de Redes de Franquias e Negócios contava com 1.500 participantes e pensávamos que ele era enorme. A digitalização nos trouxe a oportunidade de lançar um evento de forma digital e internacional, que vai se chamar Be Connected e ele tem uma expectativa de muitas vezes mais participantes, estamos falando de quase 50 mil participantes, em um evento aberto ao público. É possível utilizar diferentes tecnologias para chegar a esses novos caminhos.


Nós entendemos que essa era a oportunidade que o Grupo Bittencourt tinha de apoiar o empreendedorismo brasileiro, a participação nesse evento é um investimento alto, de alguns mil reais e era restringida a um público. Estávamos concentrados em alguns CEOs de empresas – 80% do público eram CEOs, agora podemos abrir o evento para qualquer empreendedor, seja ele varejista, franqueador, indústria que está indo para o varejo, operador de serviços e ele vai conhecer sobre o novo mercado, sobre a transformação digital, sobre novas plataformas e o novo consumidor.


Vamos manter a mesma qualidade, com um período ampliado de evento – serão 5 dias – e totalmente digital e gratuito, para que todos possam beber um pouco desse conhecimento e aplicar nos seus negócios. Essa é a forma que a Bittencourt achou de ajudar. O evento vai acontecer de 19 a 23 de outubro e vamos lançá-lo dia 10 de agosto. Já temos quase 50 palestrantes confirmados, queremos alcançar 100, mas já temos palestrantes de Portugal, Itália, Espanha, Estados Unidos e vários brasileiros.


David: Falamos bastante de reestruturação de modelos de negócio. Para tentarmos tangibilizar um pouco isso que está acontecendo, tem algum case que você poderia citar que ilustre essa situação?


Lyana: Eu sou fã de algumas marcas, de empresários que têm coragem de fazer diferente. Uma delas é a Reserva, eu acho que eles são muito pioneiros, são uma empresa inquieta e que bom ser assim, pois eu aprendi que falhamos por fazermos a mesma coisa por muito tempo. Esse aprendizado de testar o novo é o que faz a perenidade das empresas, então, para mim, a Reserva é uma empresa que já vinha se digitalizando, nós atuamos com eles durante 3 anos, principalmente na estruturação de franchising, agora eles também operam com franquias e eles já vinham utilizando prateleira infinita – para aqueles que não sabem, a prateleira infinita funciona quando você entra em alguma loja e quer comprar determinado produto, mas por algum motivo você não encontra o modelo e número que você quer dentro da loja, mas você pode ir até o site, efetuar a compra e retirar na loja.


A omnicanalidade coloca muito o consumidor no centro e prateleira infinita era algo que a gente já falava há muito tempo, mas poucas empresas tinham. A Reserva e a Arezzo implantaram, por exemplo. Essas já eram algumas iniciativas de digitalização, mas nesse momento de pandemia, eles desenvolveram muito rapidamente o modelo de atendimento digital. Há algumas plataformas no mercado que entregam a possibilidade de falar com o vendedor de maneira virtual, é possível criar catálogos para encaminhar ao consumidor e atender àquela conveniência que o consumidor deseja.


Outra empresa que eu acho que é muito rica no que faz, que tem um fundador também disruptivo é a Chilli Beans. Eles avançaram rapidamente na questão do atendimento digital, criar prateleira infinita de maneira virtual, porque não consigo experimentar o produto, mas posso escolher de maneira digital. Temos muitos empresários no varejo brasileiro, que são muito contemporâneos, fortes no que fazem, acreditam na mudança e a aplicam, mas se olharmos para a grande massa, temos pouco e-commerce implantado e pouca digitalização.


Não estou falando do digital pela tecnologia e, sim, pela conveniência que entrega. Então, eu acho que muitas dessas empresas deveriam entender que o consumidor em casa às vezes precisa de óculos, vai precisar de uma roupa porque tem um aniversário. Não é porque não existe atividade externa que necessariamente vai deixar de haver consumo, mas ele precisa consumir de outra forma, com mais conveniência e tecnologia aportada. Empresas que eu citaria são a Arezzo, Chilli Beans, Reserva, pois elas estão sempre no seu tempo e fazendo as coisas que o consumidor pede. A Arezzo lançou, inclusive, uma loja que eles chamam de Digital Store no Shopping Morumbi.


E eu aposto muito, desde o começo do ano, no live commerce, que é algo que vai acontecer de maneira cada vez mais forte e vamos ver mais para frente. A Bittencourt faz muito o trabalho de revisão de ponto de venda, porque não interpretamos ponto como uma loja apenas para exposição de produto. Para mim isso é um modelo analógico e transacional, então temos que vir para o modelo de experiência e conveniência. O live commerce é algo que vimos muito forte na China e, nos Estados Unidos, vimos uma rede no começo do ano com cerca de 200 varejistas utilizando.


Live commerce é a utilização do seu ponto de venda como palco de interação para que, por meio de lives, você realize vendas. Então, é uma venda interativa, presencial e simultânea. Eu acredito que isso seja algo que ainda veremos acontecer muito. O Grupo Bittencourt já vem buscando tecnologias para colocar isso no varejo e o varejo vai utilizar a loja como um grande palco para a realização das suas vendas, não necessariamente no e-commerce.


David: Um outro termo que você usa e eu achei interessante compartilhar aqui é o revenge buying, a compra revanche. Eu achei bacana porque nos dá uma perspectiva otimista, você pode contar para nós o que é essa compra com efeito de “vingança”?


Lyana: O revenge buy foi um comportamento muito falado quando a China começou a reabrir as lojas e uma determinada loja de luxo vendeu alguns milhões. As pessoas se perguntaram como era possível uma fila para a compra de produtos de luxo e a interpretação era mesmo desse comportamento de vingança. Uma vez que ficamos reféns e deixamos de fazer tantas coisas que gostamos, eu vou me dar esse presente. É como se fosse uma vingança por termos ficado em abstenção de algo.


Se avaliarmos mercados e o potencial de consumo do mercado chinês com o brasileiro, e a evolução da economia desses dois mercados, infelizmente não podemos fazer a comparação no mesmo patamar. O mercado chinês é pujante, crescente e tem seus dígitos de crescimento distintos do brasileiro, então é mais fácil ter essa interpretação no mercado chinês do que aqui.


Ainda assim, muito me impressionou a quantidade de pessoas que eu vi, em uma viagem de Itu para São Paulo, para entrar em um outlet. A fila de carros era enorme e, depois, em um grupo de negócios que eu participo, recebi fotos do interior desse outlet, que estava lotado. Foi então que eu tive a noção de que o revenge buying realmente estava acontecendo. Essa questão de poder se dar algum mimo, depois de ficar muito tempo ausente daquilo que você gostaria. Mas isso é pontual, de fato o varejo não tem um percentual de faturamento muito elevado.


Ainda teremos uma ressaca da pandemia e precisamos estar bem conscientes de que a transformação de mindset da sua empresa é muito importante para encontrar novos caminhos dentro do que você faz. O Realign é isso, como eu reviso o que eu faço? Eu digo que a ressaca ainda vem, inclusive muita empresa segurou a onda até agora e, agora está tendo que repensar seus custos. Tem lojas reabrindo com 10, 20, 30% de faturamento e isso não é sustentável. É um ano complexo, de muito aprendizado, mas também é um ano para se lembrar que não se pode deixar passar nenhuma crise, toda crise é uma grande oportunidade de repensar e estamos vivendo literalmente isso.


Eu acredito que a pandemia pode nos levar a uma vida mais equilibrada e nos mostrar um capitalismo mais consciente. Entender que é possível fazer as coisas de forma mais sustentável tem muito a ver com o novo consumidor, que se preocupa com o mundo, com o que estamos construindo.


David: Um termo que também usamos muito é a experiência e, de alguma maneira, já estamos resinificando isso. Como as empresas podem oferecer experiências para os seus clientes hoje?


Lyana: Ninguém diz que experiência tem que ser presencial, o que estamos fazendo nessa live é experiência, então, a questão a experiência é a entrega de um motivo para o consumidor se relacionar com a marca, além de adquirir determinado produto. Hoje basta um clique para comprar um produto em qualquer lugar, se você não tiver nenhum relacionamento emocional com a marca, você troca rapidamente. A experiência vem para criar a conexão com as pessoas e tirar a marca de um salto alto, para deixar uma conversa one to one, sobre o que ela acredita e qual seu propósito.


A entrega da experiência pode acontecer de diversas formas, eu falo que eu acredito que as lojas precisam ser delivery de tudo. Isso que dizer que as marcas devem entregar curadoria, relacionamento – e para se relacionar, a experiência não precisa ser presencial. A omnicanalidade só existe a partir do momento que as lojas se tornam delivery de tudo, a forma de experiência não está pautada exclusivamente a duas pessoas estarem no mesmo local. Isso limita e nós não percebíamos que limitava. A experiência passa por repensar seu formato sustentada também na tecnologia, mas ela não é só tecnológica.


Eu tenho que ter motivos para ir a uma loja, se eu não tiver o que aprender lá, eu peço o mesmo produto, mas o ir não é mais necessário, a pessoa pode vir até mim, mesmo que virtualmente. A gente tem que municiar o time de vendas de ferramentas que o possibilite se aproximar do seu consumidor, porque a aproximação não é somente presencial e isso é muito poderoso. Imagina o poder do vendedor ao falar com seu cliente diretamente pelo celular, antes tinha loja que não deixava sequer anotar o contato do cliente, hoje ele tem isso salvo no próprio celular. É uma necessidade de confiança maior entre as partes, porque os times estão mais empoderados, o controle vai estar dissipado e a gestão vai ser mais complexa.


David: Algo que podemos observar com o uso das tecnologias para reuniões, é um pouco da horizontalidade nas empresas. Sem o diretor sentado à ponta da mesa, com os colaboradores em volta, se olhando, as pessoas se sentem mais ouvidas e trazem mais ideias, o que incentiva muito a inovação.


Lyana: Um dos nossos fóruns foi focado em inovação e vimos a importância de times multidisciplinares. Às vezes a inovação vem de quem você não espera, de quem não é dono daquele tema. Quando vamos criar conceitos, a primeira coisa que falamos é a necessidade de times multidisciplinares nos workshops. A gente fez um projeto para uma indústria de laticínios recentemente e a pessoa que mais contribuiu, desenhava o que as pessoas estavam dizendo, ele traduzia os insights em desenhos e ele não tinha nenhuma alçada hierárquica, mas conseguiu tangibilizar o conceito da loja dessa forma.


Fizemos outro projeto para uma empresa de telefonia, foram dois dias muito intensos, mas com uma construção tão rica, porque havia pessoas de todos os níveis hierárquicos e eles desceram para ouvir o consumidor e desenvolver o projeto com ele no centro, pensando no que poderia ser entregue de melhor para ele. Quando paramos, sentamos e damos atenção para quem de fato importa, que é o consumidor, é uma mudança muito rica.


David: Falamos sobre o empoderamento do consumidor, mas tem um outro tipo de empoderamento que está acontecendo, que é o das marcas e indústrias, com relação à distribuição dos seus produtos. Você pode falar um pouco do modelo direct to consumer?


Lyana: O Grupo Bittencourt já faz projetos direct to consumer há mais ou menos 10 anos e tenho a impressão de que as empresas adotam esse modelo porque eles percebem que não podem se afastar do consumidor. Quando você está distante do seu consumidor, ele passa a ter a interpretação apenas do seu intermediário.


Já desenvolvemos conceitos de revestimento cerâmico, calçados, laticínios, queijos e vinhos, telefonia celular e eu não acredito que o modelo direct to consumer seja essencialmente digital. É muito interessante ver empresas globais, líderes de mercado no seu segmento, criando produtos a partir de um produto que estava na prateleira.


A Procter & Gamble fez um projeto para um sabão em pó chamado Tide, que é líder de mercado nos EUA, criando a Tide Dry Cleaners. Trouxemos para um dos nossos eventos presenciais o vice-presidente de franchising da P&G, porque além de extrair uma rede de lavanderias a partir de um produto, eles ainda franquearam esse conceito. Eles escalaram um conceito criado a partir de um produto que todo consumidor conhece.


Temos um trabalho forte com as indústrias para tentar fazê-los entender que eles não podem se afastar do consumidor. Isso não quer dizer que eles não vão mais ter a rede de distribuição, que não vão mais estar nos supermercados, mas sim que eles precisam pensar que eles podem ter experiências com seus consumidores, ouvir a percepção de um produto em um lançamento e usar aquela loja como labs para aprendizados, para terem um ponto para seus live commerces.


Eu sou fã absoluta do DTC, acho que isso passa pela venda direta via e-commerce e redes sociais, mas também por criar pontos de experiências para essas marcas. A Unilever lançou agora a lavanderia OMO, comprando uma rede. Devemos ter quase 10 projetos incubados com essa característica, uma boa parte deles eram para ser lançados esse ano, estamos segurando para o ano que vem, mas de diversas áreas.


A indústria entendeu que em algum momento ela vai precisar falar com o consumidor para poder ouvi-lo, captar o que ele precisa, melhorias de produto e tentar entregar mais conveniências para ele. Se os canais pararem de interpretar posse e se integrarem, vai haver um grande ganho. O consumidor quer outras coisas, é dele que não podemos nos esquecer. Quando a indústria desenvolve o modelo direct to consumer, é por meio de e-commerce, loja, venda direta, revenda, porta a porta, mas o objetivo é se aproximar do consumidor.


David: Tudo que estamos falando é muito em cima da centralidade do consumidor. O movimento de DTC também vem da necessidade de obter dados e trabalhar menos com a intuição. Tem um case recente no Brasil que foi a venda da Netshoes, que teve uma disputa acirrada entre as empresas que queriam comprá-la, por conta dos dados que eles tinham.


Lyana: Muitas empresas de varejo convencional passaram a adquirir empresas nativas digitais para aprenderem como é o mundo digital. Dado é muito relevante, principalmente para a entrega desse acompanhamento um a um, se não houver interpretação do comportamento eu estou falando em massa e isso não faz mais sentido.


David: Com relação ao propósito, vocês falam de uma tendência chamada upcycling, que podemos dizer que é um upgrade do recycle. Você pode contar um pouco sobre esse conceito?


Lyana: O tema sustentabilidade nunca esteve tão em pauta quanto agora. Reciclar ainda é muito importante, mas como é que a gente pode fazer um reuso do que temos? Eu visitei uma operação de jeans nos Estados Unidos e lá eles diziam que não é apenas reciclar o jeans, mas incentivar que as pessoas continuem usando o mesmo jeans, pois se o consumidor comprou um jeans daquela marca, ele deve acompanhá-lo a vida inteira. A própria marca, ao invés de incentivar o consumo de novas peças, disponibiliza um serviço de reforma do jeans.


O upcycling passa da questão da reciclagem e traz o conceito do reuso, da revitalização e tornar útil o que você já tem, mesmo que seja um produto usado. A necessidade da sustentabilidade e de cuidar individualmente do mundo é muito importante, com a pandemia e passando mais tempo em casa eu ganhei a noção da quantidade de lixo que é produzida em casa e fiz mudanças pensando em reciclagem e reutilização. Isso é algo que tem que ser levado para o varejo também.


David: Para finalizar, qual conselho prático você poderia dar para quem quer iniciar uma revisão de conceitos e formatos de negócio?


Lyana: Acho que é importante começar pela reflexão do Realign, para mim esse é o ponto de partida. O que você tem, vai conseguir te levar para esse novo mundo? Você consegue perenizar sua empresa da forma que ela está hoje? Isso dá uma interpretação dos primeiros “nãos” que você tem. Não consigo, pois meu modelo ainda está muito analógico, não gero conexão, meus projetos são falhos, estou limitado a determinadas características. Reconhecer suas dores é o primeiro passo para a busca de soluções. As soluções vêm quando você começa a ler um livro, assistir a uma live, buscar referências de benchmarks. Se você interpretar a sua dor, você vai buscar quem fez de alguma outra forma ou vai repensar o seu formato.


A primeira visão para a transformação é reconhecer, dentro da sua empresa, aquilo de que você deve desapegar, porque não te ajuda mais a construir. Esse é o primeiro passo. Tem gente que não faz isso, não calça a “sandália da humildade”, olha para dentro e admite o que não serve mais. É dolorido admitir isso e aceitar que é necessário fazer mudanças, então essa reflexão é o primeiro passo.


O segundo passo é encontrar pessoas que possam te ajudar na jornada de transformação. Pessoas ajudam e atrapalham, então é preciso identificar quem são as pessoas que estão tão arraigadas ao modelo e que, por isso, não te ajudam a seguir em frente e aquelas que estão dispostas a te ajudar na transformação. Ontem nós apresentamos um projeto e um dos nossos colaboradores não fazia parte do projeto, mas, ainda assim, nos ajudou pela vontade de fazer a transformação acontecer. Pessoas assim te ajudam, outros que querem aquele mindset ao qual ele já está acostumado, atrapalham.


Depois de escolher o que deve ficar ou não na sua empresa, você deve olhar as pessoas que ajudam e as que podem minar essa energia de transformação. São decisões duras, porém importantes, é preciso se unir a um time que está com a visão de construção. A transformação não é fácil, mas é possível a partir do momento que você empodera um time que te apoia.


David: Para concluir, quais dicas de referências que você poderia dar?


Lyana: Há caminhos muito interessantes de acordo com qual é a sua dor, mas eu começaria indicando o Capitalismo Consciente (https://www.ccbrasil.cc/), porque ele vai te dar uma visão de mundo sobre o tema. Lá, talvez, você vai se inspirar através de diversas novas iniciativas. Se inspirar em empresas inspiradoras é um bom começo.

 
 

Atualizado: 20 de ago. de 2020


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A Redibra criou o R.Talks para oferecer aos seus parceiros e ao mercado um espaço de reflexão e inspiração, com visões sobre tendências e atitudes no momento delicado do COVID-19. A cada semana, o CEO da Redibra David Diesendruck entrevista um especialista nos mais diversos assuntos com uma live no Instagram da Redibra.


Para quem não teve a oportunidade de assistir a live com André Vaz, sócio-fundador da TOTOY CORP – produtora de conteúdo digital infantil –, resumimos os principais pontos abordados. O tema da live foi “27 milhões de fãs: como Totoykids encantou as crianças no mundo todo?”.


David: Você e a Isa são excelentes contadores de história e criaram um formato inédito para o YouTube. Já que vamos falar sobre histórias, você poderia nos contar qual é a história do Totoykids?


André: Antes de falar de Totoykids, eu preciso voltar um pouco no tempo para falar sobre mim e sobre a Isa. Em 2010, eu tinha uma empresa que vinha passando por dificuldades e eu estava ansioso para mudar de vida, pensando como eu poderia iniciar em uma nova carreira e seguir um novo caminho, mas sem a coragem necessária para dar essa virada.


Nessa mesma época, a Isa, que é psicóloga de formação e atendia em sua própria clínica e, também, em uma clínica do DETRAN de Belo Horizonte, foi vítima de uma tentativa de homicídio por um de seus pacientes, que sofria de alguma doença mental. Com muita sorte ela sobreviveu e, a partir desse momento, ficamos muito decididos a mudar e buscar outros caminhos. A pessoa que atentou contra ela ficou preso por 6 meses e depois voltou à liberdade e a ameaçá-la, o que nos deixou com muito medo, então achamos que era o momento de iniciar uma vida nova.


Eu tive coragem de fechar minha empresa e nos mudamos para os EUA. Fomos eu e a Isa, com 720 dólares no bolso, para começar uma vida fora do Brasil. Apesar da limitação de recursos, os sonhos eram grandes e, um deles, era o de poder impactar a vida das pessoas, de ter uma profissão que nos realizasse e que tivesse um propósito, mas não tínhamos claro o que iríamos fazer e como poderíamos chegar a esse objetivo.


Passados 4 anos em Nova Iorque, a Isa trabalhava com crianças e começou a observar que elas passavam boa parte do tempo na internet, consumindo conteúdo, era a época do boom do Youtube. Nessa época existiam basicamente dois tipos de conteúdo: ou as crianças assistiam vídeos de conteúdo que não eram para sua idade, ou um conteúdo que era moda na época, de unboxing de produtos que tinham algum tipo de surpresa dentro.


Nesse momento, pensamos juntos para entender se conseguiríamos entregar algo de mais valor, com uma história mais rica e que possa resgatar a infância e convidar as crianças a brincarem e se divertirem. Ali nascia o Totoykids, através de um experimento, com um vídeo piloto que eu encaminhei para minha irmã – que tinha filhos pequenos e nos passou um feedback positivo sobre o conteúdo.


A partir daquele momento começamos a produzir com mais frequência e esse início – que foi entre o final de 2014 e começo de 2015 – nos trouxe muitas alegrias, pois percebemos que estávamos em um caminho que poderia nos levar a alcançar o sonho que nós tínhamos. Com seis meses recebemos uma ligação do Youtube, pois eles queriam saber quem estava por detrás daquilo, uma vez que o canal estava sendo assistido por milhares de pessoas e já era um sucesso.


Após o primeiro ano, nós fomos ranqueados como o canal número 1 entre todos os canais brasileiros, pela Socialblade e passados 5 anos, conquistamos uma audiência de 27 milhões de inscritos no mundo todo, em 35 países. O canal hoje conta com três versões, em português, inglês e espanhol e já recebeu mais de 10 bilhões de visualizações. Nós acreditávamos no projeto quando ele se iniciou, mas não imaginávamos que poderíamos chegar tão longe assim.


David: Durante todo esse trajeto, tem alguma história curiosa que aconteceu com vocês e que você poderia compartilhar com a gente?


André: São várias histórias, mas a principal, que eu acredito que pouca gente saiba, ocorreu logo no início do canal. Com 30 dias que estávamos produzindo conteúdo, nós não tínhamos recursos para comprar os brinquedos e tínhamos uma opção, ou pagávamos o aluguel do nosso apartamento, ou comprávamos brinquedo. Tomamos a difícil decisão de que iríamos comprar os brinquedos e que iria dar certo.


Compramos os brinquedos e, com 3 meses de canal, já com uma performance melhor, chegou nossa carta de despejo. Nós temos essa carta guardada até hoje, porque temos muito orgulho dessa carta e dessa história. Me lembro de ir até a administração do condomínio e falar para eles que tínhamos um canal, que iríamos impactar milhares de crianças, levando uma história positiva para elas e ajudar essas crianças a resgatarem sua infância e, por fim, pedir mais um pouco de tempo para não sermos despejados. Eles responderam que isso era um problema nosso e que teríamos que pagar ou sair.


Nessa época, a Isa estava grávida do nosso primeiro filho. Eu não sabia como resolver a situação, mas falava para ela que tudo daria certo. Fiz uma pesquisa no Google e descobri que havia um caminho, envolvendo a Justiça, para pedir mais um tempo. Me lembro de nós dois sentados em um tribunal americano para contar toda essa história para um juiz e ver como ele iria resolver nosso problema. Na sala de espera em que estávamos sentados, a maioria das pessoas eram mães com seus filhos de colo chorando e pensei que enquanto eu achava que nossa situação era ruim, tinha pessoas em uma situação ainda pior.


Quando chegou nossa hora de falar com o juiz, ele perguntou quanto tempo precisávamos e eu pedi 15 dias, pois era o tempo de chegar nosso primeiro pagamento do Google. Esse primeiro cheque chegou, com valor suficiente para pagarmos 6 vezes o aluguel e dali para frente foi só alegria. Eu escolhi essa parte da nossa história para dividir com vocês porque precisamos falar de esperança, de fé num momento tão difícil como esse que estamos vivendo.


Eu conto essa história com aquela recomendação, “não faça isso em casa”. Eu não aconselho ninguém a deixar de pagar seu aluguel para empreender, mas ao mesmo tempo eu quero mostrar que quando a pessoa tem fé, acredita e trabalha em um projeto que realmente faz sentido para a vida dela, a tendência é dar certo. Vale a pena assumir riscos quando se tem um grande projeto e um grande sonho.


David: O Totoykids tem algum propósito específico?


André: Tem sim e, o curioso, é que esse propósito foi acontecendo e tomando forma com o passar do tempo. Fazendo uma analogia, parece aquele começo de namoro quando a família começa a fazer pressão, perguntando quando é que vai acontecer o casamento. E, depois do casamento, a pressão muda para quando os filhos vão nascer. A gente vivia um pouco isso, porque o canal cresceu muito e já tinha uma expressão e uma visibilidade relevantes, mas não tínhamos um propósito claro para ele.


Quando nos sentávamos com alguém com mais experiência e bagagem, sempre éramos questionados sobre qual era o propósito do canal e não sabíamos responder. O que nós queríamos era divertir as crianças e resgatar a infância delas, mas não havia um propósito claro e formatado. Eu não sabia que esse propósito iria chegar de uma maneira tão espontânea e amadurecer com o passar do tempo.


Eu acho que as empresas não precisam se apegar à obrigação de criar um propósito e, sim, deixar com que ele aconteça à medida que a empresa anda e se desenvolve. Ele surge, se você realmente estiver se movimentando em alguma direção. Nesse sentido, começamos a entender qual era o nosso propósito cerca de 3 anos atrás, quando já tínhamos uma grande expressão e éramos assistidos por muita gente.


Uma criança de um orfanato no Brasil nos escreveu através das mensagens do canal que ela não tinha pai nem mãe, mas que eu e a Isaura representávamos esse papel para ela. Isso nos sensibilizou profundamente e nos fez entender nosso alcance e nossa responsabilidade. Como pai e mãe, queremos o melhor para os nossos filhos, então entendemos que essa audiência de 27 milhões de crianças são como filhos e queremos o mesmo para eles.


A partir disso o propósito do canal começou a tomar forma, vimos que tínhamos a responsabilidade de divertir as crianças, mas que ela tinha que ir além disso e, também, ajudar a preparar essas crianças para o futuro. Nessa época nós começamos a finalizar os vídeos do canal com a frase “beijos, amamos vocês”, pois pensávamos nessa criança que nos enviou as mensagens e entendíamos que muitas outras podem estar na mesma situação em algum lugar. Queríamos que todas essas crianças se sentissem amadas e, a partir de então, começamos a buscar outras maneiras de ter uma contribuição ainda maior com o canal.


Um ano e meio atrás eu comecei a visitar escolas para matricular meu filho mais velho e, evidentemente, procurei as melhores escolas, fiz uma lista e algumas pesquisas para começar minhas visitas. Todas elas falavam que não ostentavam sua qualidade através de premiações que receberam por causa do seu ensino de matérias tradicionais, mas sim por conta do desenvolvimento de soft skills de seus alunos, que são as competências comportamentais, tão importantes para o século XXI, onde criatividade, liderança, trabalho em equipe e empatia, entre outras, são as que vão possibilitar essas pessoas a serem bem sucedidas.


Foi então que pensamos em democratizar essas ideias e levar essa capacitação para dentro do canal, sem deixar de ser um espaço para as crianças se divertirem, mas transmitir esse valor de alguma forma. Nós entendemos que somos assistidos pelas classes A e B, mas também somos assistidos em favelas no México, por exemplo. Por consequência, existem crianças que não têm acesso a esse tipo de conteúdo e mensagem e poderíamos levar, através dos nossos vídeos, essas competências e ajudar a preparar essas crianças para o futuro.


Promovemos nosso primeiro workshop, com especialistas renomados, para nos ajudarem a formatar esse conteúdo e levar o melhor para a nossa audiência e, a partir desse workshop, saiu um book com diretrizes. Quando falamos de propósito do canal, precisamos dizer que nosso propósito é divertir as crianças, contar histórias e ajudar essas crianças a desenvolverem competências comportamentais.


David: Você teve uma atitude bem ousada no início do canal, tem algum aprendizado específico que você poderia compartilhar com quem está começando a empreender?


André: Tenho dois comentários que acredito que valem a pena fazer sobre essa pergunta. Nós começamos o canal com os recursos que tínhamos, mas começamos. A gente vê muito as empresas deixando de fazer o que tem que ser feito porque não têm orçamento para isso, ou as pessoas deixando seus sonhos para amanhã ou depois porque não possuem as ferramentas ou recursos necessários.


Quando começamos o Totoykids, tínhamos alguns brinquedos que eu ia enviar para minha irmã no Brasil, uma mesa e uma câmera. Nosso projeto era muito maior do que o Totoykids num primeiro momento, quando começamos a pensar em fazer conteúdo infantil, tínhamos em mente uma grande produção, um estúdio com várias pessoas criando histórias incríveis, mas não tínhamos recursos para isso, então começamos com aquilo que a gente tinha. É assim que deve ser feito: começar com o que tem disponível, seja lá qual for o projeto. Esse é um dos aprendizados que quero passar.


O segundo é que temos que saber aonde queremos chegar, mesmo sem entender o caminho que vai nos levar até lá. O importante é iniciar a caminhada. Em Nova Iorque eu tinha decidido, a princípio, que eu queria ser ator. Estudei 3 anos em uma escola de arte e queria trabalhar em novelas no Brasil. Fui até aí e passei 3 meses batendo em porta de agências sem conseguir nenhum teste, voltei para os Estados Unidos desolado e vi que esse caminho de novela não ia funcionar. Mudei para o teatro, fiz peças off Broadway, mas acontecia de participar de peças com 6 pessoas na plateia. Tinha mais pessoas no palco do que assistindo, mas a gente não sabia que durante toda essa jornada estávamos desenvolvendo as competências que iríamos usar no futuro.


David: Qual é o processo criativo de vocês para o desenvolvimento das histórias? Há o envolvimento das crianças em algum momento?


André: Grande parte do sucesso do Totoykids se deve ao fato de produzirmos um conteúdo muito voltado para as crianças com uma participação ativa delas na construção desse conteúdo. Nós contávamos com a ferramenta de mensagens do Youtube, que hoje não existe mais e criamos alternativas para continuarmos em contato com o público, mas com essas ferramentas nós estávamos sempre muito atentos às demandas das crianças e das famílias.


A gente sempre teve esse ouvido muito apurado para ouvir e entender o que a audiência queria, nós nunca tentamos adivinhar o que eles queriam, sempre perguntamos. Podemos dizer que em algum momento dos vídeos do Totoykids existia a coautoria da nossa audiência.


David: Vocês têm algum tipo de acompanhamento pedagógico e psicológico durante o desenvolvimento do conteúdo?


André: A primeira fase da criação dos vídeos do canal foi muito espontânea. Eu e a Isa tivemos a sorte de ter uma infância muito rica no interior de Minas Gerais, podíamos brincar na rua e conhecer a cidade toda. Tivemos a felicidade de brincar tanto e isso nos ajudou demais com nosso lado criativo. Com o passar do tempo a estrutura do canal foi crescendo e passamos a contar com um time, tanto interno quanto externo, que nos ajudam com a produção do conteúdo.


Internamente nós contamos com um time de primeira linha de roteirista, assistência, produção e animadores. Fora desse quadro, contamos também com especialistas que são neurocientistas, pedagogos, psicólogos que também participam da criação. Assim que temos qualquer conteúdo ficando pronto, apresentamos para esse time e eles têm total liberdade para opinar em todo o processo.


David: Estamos vivendo um momento único na história da humanidade. O que o Totoykids tem feito para ajudar as crianças e as famílias durante a pandemia?


André: Logo que a pandemia começou, olhamos com bastante preocupação como ficariam as crianças nesse processo todo, afinal de contas foi muito falado sobre as empresas, sobre os trabalhadores e os grupos de risco, mas pouco foi dito sobre as crianças. Elas também estão sofrendo muito com essa situação e o canal Totoykids com a responsabilidade que tem com seu público pensou de que forma poderia contribuir para ajudá-los.


A primeira iniciativa nossa foi criar um vídeo com o personagem José Comilão, no qual a gente mostrava para as crianças de uma maneira lúdica e com um conteúdo adequado para a idade delas, as medidas de segurança e proteção para elas aprenderem a se prevenir e se cuidar durante esse período. Falávamos sobre o isolamento social e as questões de higiene e sobre o poder e a importância da imaginação nesse momento.


A criança tem uma capacidade incrível de imaginar e criar coisas que é perdida com o passar do tempo, mas eles têm isso muito apurado e nesse momento essa é uma ferramenta importante a ser utilizada para atravessar esses dias difíceis. Na sequência criamos outros vídeos com a mesma temática, sempre buscando mostrar os desafios e trazer a criança para o centro desse debate, porque sem dúvida alguma, eles também são vítimas dessa pandemia.


David: Vocês começaram a criar conteúdo com os brinquedos e agora estão em uma fase mais voltada para a animação. Qual a estratégia por trás dessa mudança?


André: O primeiro ponto é que, apesar de no início brincarmos com os produtos, nós nunca fomos um canal comercial, incentivar o consumo nunca foi o nosso propósito. Apesar de nunca termos feito publicidade, em alguma medida éramos percebidos dessa forma. A primeira necessidade que sentimos para mudar o formato do conteúdo foi essa, queríamos um conteúdo 100% original, com qualidade de ponta e que nos afastasse dessa imagem comercial.


O segundo ponto é que, para o Totoykids dar o próximo passo, precisamos estar presentes em outras plataformas e o formato do início do canal enfrentava limitações no que diz respeito à distribuição do conteúdo. Nos tornamos um sucesso gigantesco no Youtube, mas nossa presença estava apenas nessa plataforma. Assim, entendemos que precisávamos criar outras maneiras e caminhos para nos comunicarmos com nossa audiência, para isso, tivemos que deixar o brinquedo em segundo plano e começar a fazer vídeos de animação. Optamos por seguir com animação 3D, por ser o formato de maior qualidade e é isso que queremos levar para a casa das nossas famílias.


David: O Totoykids tem suas versões em português, espanhol e inglês. Qual é o plano de expansão do canal?


André: Eu espero que a gente possa ver Totoykids em mais países e idiomas, mas essa expansão não é uma das prioridades dentro do nosso planejamento estratégico. Eu acredito que no mundo que a gente vive as empresas precisam pensar em ser globais, não há motivos para se falar que atuamos apenas em um ou outro território. Graças a mudança tecnológica, podemos pensar em ter clientes e atender pessoas no mundo inteiro, o Totoykids pensa e ter uma audiência global, mas não é nossa prioridade.


Queremos nos consolidar principalmente no Brasil, que é o país que amamos, de onde saímos e onde temos a maior audiência do canal. Queremos nos consolidar como produtores de conteúdo a nível Brasil, encontrar outros caminhos e maneiras de atingir nossas crianças, não apenas através de conteúdo, mas com outras iniciativas. Nosso primeiro passo é se desenvolver ainda mais no mercado brasileiro para, na sequência, falarmos de Estados Unidos e América Latina.


David: Falando sobre planos futuros, quais são os planos do Totoykids? Qual é o sonho do André e da Isa olhando mais para frente?


André: Assim como a maior parte das pessoas, nós tínhamos projetos em andamento que, com a pandemia, tivemos que dar um tempo. Queremos muito sair um pouco do digital, apesar de reconhecermos a força desse meio, mas por se tratar de crianças, queremos que elas também vivam no mundo físico.


Queremos trazer iniciativas para tirar parte da audiência da tela, porque tem crianças que estão consumindo conteúdo digital em excesso, e trazer essas crianças para o mundo real, para brincar, se divertir, ir a eventos. São iniciativas que em um primeiro momento estão suspensas, mas que têm como objetivo tirar as crianças da tela. Sabemos da importância da internet, lá tem muita coisa boa, mas também muita coisa ruim e, mesmo se tratando das coisas boas, as crianças não podem ficar o tempo inteiro olhando para a tela de um celular.


Para se desenvolver, a criança precisa correr, brincar, ter amigos. Hoje nós vemos crianças de 6 meses com celular na mão, consumindo conteúdo. Esse é o mundo que a gente não entende como o melhor dos mundos, em um momento ou outro o celular é uma ajuda, mas não como regra. O Totoykids tem como bandeira fazer com que as crianças voltem a brincar, como eu falei, eu e a Isa tivemos uma infância muito rica e, para a criança se desenvolver em sua plenitude, ela precisa brincar.


Hoje falta espaço para isso, as crianças passam boa parte do tempo na escola, quando saem da aula, vão para apartamentos apertados e, com isso, sofrem limitações de atividades físicas. Nós precisamos resgatar a infância, o Estado preciso pensar em políticas que proporcionem locais seguros para as crianças brincarem em dias alternativos. Eu falo brincar no sentido mais amplo da palavra, não aquela brincadeira supervisionada e limitada por um adulto. O brincar tem que ser livre, a criança tem que brincar de maneira livre, então precisamos pensar em soluções que permitam isso.


David: Nesse momento que estamos vivendo as crianças estão mais tempo em casa, os pais também. Como você acha que esse momento vai impactar essas relações? Há algo positivo nessa convivência que não era esperada?


André: Se formos pensar no mundo pré pandemia, todo mundo já estava preso. As crianças estavam presas em casa impedidas de brincar, em razão das ameaças que o mundo oferece, com a pandemia elas estão ainda mais presas. Eu não imaginava que isso pudesse evoluir, mas aconteceu. Precisamos rever e pensar se estamos seguindo um modelo correto.


Fala-se muito que a pandemia acelerou o processo digital, tudo que lemos sobre o assunto esbarra nessa afirmação. Eu não vejo dessa forma. Eu vejo que a pandemia acordou as pessoas para enxergarem o processo digital que já vínhamos vivendo há muitos anos, de uma maneira extremamente acelerado.


Para ilustrar o que estou dizendo, vou usar o e-commerce como exemplo. Já faz anos que a Amazon é a empresa mais valiosa do mundo. Se formos entender que a pandemia acelerou o desenvolvimento de algumas empresas, temos que levar em consideração que também desacelerou o Airbnb. A pandemia golpeou também setores do digital, não podemos dar um troféu para a pandemia pela aceleração do mundo, pois ela também atrasou o mundo, atrapalhou a economia, faz inúmeras vítimas no mundo todo. Se houve algum papel da pandemia, foi o de despertar as pessoas para um processo que já vivemos há anos.


Se a gente olhar as estatísticas é muito claro que, a cada ano, as pessoas passam mais horas olhando para a tela do celular. As últimas pesquisas indicam que os adolescentes ficam quase 6 horas por dia usando smartphones e estamos falando de pessoas com necessidade fisiológicas, que precisam comer, tomar banho, estudar. Se olharmos dessa maneira, todo o tempo livre de uma pessoa, é passado em frente à tela de um celular. Esse processo não veio em razão de coronavírus. Talvez hoje nós tenhamos parado para olhar de forma diferente para esse processo.


Sem entrar em questões políticas, mas temos Jair Bolsonaro que venceu a eleição no Brasil sem participar de programas de televisão. Ele venceu fazendo uso das mídias sociais. Antigamente a gente contava os minutos de programa eleitoral para determinar quem iria ganhar as eleições, por conta da visibilidade. Em um mundo assim, ainda tem quem gaste dinheiro fazendo anúncio e publicidade em televisão. Faz muito tempo que o mundo mudou e muita gente ainda não tinha percebido. A pandemia foi um despertador, que tocou para quem estava dormindo poder acordar e perceber que o mundo já é digital há muito tempo e vai ser cada dia mais.


O mundo inteiro está olhando para a tela do celular, lá atrás quando eu queria ser ator e estava em palco com 6 pessoas na plateia, eu entendi que estava lutando pela atenção das pessoas. É o que toda empresa faz, o que todos nós fazemos. A atenção de todas as pessoas do mundo está voltada para a tela do celular, de maneira que as empresas, os produtores de conteúdo, aqueles que querem iniciar uma nova carreira, todos eles devem estar muito ligados ao mundo digital. O nosso momento é de transformação, estamos no olho de um furacão e, no meio disso tudo, a revolução digital tem um papel importante e as empresas precisam participar ativamente desse novo momento.


David: Estamos começando agora um trabalho de licenciamento com a marca Totoykids, entendemos que é essa uma possibilidade de extensão da marca e também de levá-la para o dia a dia das crianças e das famílias. Como você enxerga a importância dessa etapa para o Totoykids?


André: A gente quer deixar um pouco o digital e participar mais do dia a dia das crianças, a extensão de marca nos permite isso. Queremos que nossa audiência possa ter uma experiência com os produtos do Totoykids em suas vidas, essa é uma etapa importante para o canal, sem contar que já há uma demanda pelos produtos da marca. Percebemos mães e pais nas mídias sociais perguntando quando teremos produtos, já há algum tempo nós estávamos deixando isso para depois, mas entendemos que agora talvez seja o melhor momento para iniciar esse trabalho.


David: Para encerrar, qual a sua mensagem final para essa conversa?


André: Como brasileiros, nós temos em nossa bandeira as palavras ordem e progresso. Vivemos há décadas em um país que falta ordem e que falta progresso. A gente vive em um país caótico no sentido da violência, da corrupção, patinando entre um governo e outro e não saímos do lugar. Para que mudemos a história desse país, precisamos investir nas crianças. Elas são o maior ativo e a maior riqueza que um país tem. Elas são a esperança de um futuro melhor. Precisamos, voltar a olhar para as nossas crianças e trata-las como prioridades, porque só elas vão fazer com que tenhamos um destino melhor.

 
 

Atualizado: 20 de ago. de 2020


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A Redibra criou o R.Talks para oferecer aos seus parceiros e ao mercado um espaço de reflexão e inspiração, com visões sobre tendências e atitudes no momento delicado do COVID-19. A cada semana, o CEO da Redibra David Diesendruck entrevista um especialista nos mais diversos assuntos com uma live no Instagram da Redibra.


Para quem não teve a oportunidade de assistir a live com Bruno D’Angelo, CEO da WIP, resumimos os principais pontos abordados. O tema da live foi “Storytelling – para que serve uma história”.


David: Estamos vivendo uma área de ressignificação nas empresas, inclusive nos cargos. Um dos cargos que você já teve foi o de “Chief Storyteller”, você pode contar para nós quais são as responsabilidades desse cargo e de onde essa demanda surgiu?


Bruno: A resposta vem, em parte, da origem do storytelling. Já falamos bastante sobre como essa palavra é usada de qualquer forma no Brasil, para resolver qualquer problema, mas precisamos respeitar a origem do termo. Yuval Harari diz que nós somos uma civilização que evoluiu da contação de histórias, talvez o termo Chief Storyteller tenha muito a ver com a pessoa que organiza e estrutura a história que vai ser contada.


Ter um Chief Storyteller independe do formato de história a ser contada, se for um livro, um filme ou uma propaganda, não importa, o que importa é o território que defendemos e sabe se onde estamos e o local para onde vamos estão bem colocados. Existem vários cargos relacionados a criação, mas quem é a pessoa que olha de onde nós viemos e para onde iremos? Esse é o papel do Chief Storyteller. Eu ainda exerço muito essa função, seja como consultor, diretor ou parceiro e faço para mim mesmo.


Inclusive o nome “Estoriadores”, que é o meu perfil no Instagram, presta dois serviços em relação a isso. O primeiro é o fato de eu ser a favor e defender a volta da palavra “estória”, escrita com “e” – que nunca saiu do dicionário, mas caiu em desuso – porque na verdade existe esse lugar específico da estória, da fábula e da criação do que nós somos e, no fim do dia, o Chief Storyteller deve manter organizado o que iremos falar, entender nossa origem e dizer para onde devemos ir.


David: Entrando na questão da contação de histórias, quais são os elementos de uma boa história?


Bruno: Quando eu fui pela primeira vez ao South by Southwest (SXSW Conference), entrei por engano em uma sala de aula com o tema “The Biology of Story”. A aula estava sendo ministrada por dois canadenses – criadores do site biologyofstory.com, que é composto por diversas entrevistas. Basicamente várias pessoas foram entrevistadas para explicarem o que é história.


Eles chegaram a uma conclusão, que eu acredito ser muito real, de que nem toda narrativa é uma história. Quando eu narro um jogo de futebol ou te conto como foi meu dia, isso parece uma história, mas não é. Os elementos que compõem uma história são divididos em três partes: intenção, causa e efeito e significado.


A intenção é o querer contar a história porque você quer mover o personagem e, também, quem a está escutando. Por exemplo, eu quero contar a história dos Três Porquinhos para os meus filhos para ensiná-los que é melhor construir uma casa de tijolos do que uma casa de palha. Há uma intenção ao contar essa história, o que nos leva de volta ao que o Chief Storyteller faz.


Toda narrativa deve ter causa e efeito, então todo personagem tem que querer alguma coisa. A diferença entre séries e filmes é que o personagem do filme sabe aonde ele quer chegar e o personagem da série nunca sabe o que quer, por isso elas têm tantas temporadas. Usando Breaking Bad como exemplo, o personagem principal não sabe se quer ser um pai de família ou traficante. Ele fica nessa indecisão e assim as temporadas acontecem. Ter causa e efeito é importante porque a partir do momento que o personagem quer alguma coisa, algo acontece e continua acontecendo sucessivamente, é isso que torna a história interessante.


E, por último, o significado. Não é a moral da história, mas sim a transformação de quem ouve a história ao acompanhar o caminho do personagem. Pode trazer algum ensinamento, mesmo sem ser a moral. Eu preciso mover uma pessoa, posso fazer isso através de uma ordem, de dinheiro ou, talvez, por dentro dela. Eu gosto de exemplificar esse elemento com o filme Inception, onde o Leonardo DiCaprio precisa colocar um sonho dentro de um cofre, dentro do sonho de um sonho. Uma história pode mover as pessoas por algo muito simples: elas acreditam nessa história.


David: Algo que reparamos às vezes em filmes, é que ele é cheio de efeitos especiais, mas a história em si não prende. Como a tecnologia pode ajudar a contar uma história?


Bruno: Voltando ao “problema” da palavra storytelling, é que usamos como uma palavra só. A palavra storytelling tem duas partes propositalmente, a “story” e a “telling”. Eu falei bastante sobre a primeira parte, vamos falar agora sobre o “telling”, que é onde entra a tecnologia.


Um dos significados que damos à tecnologia é a junção de técnicas que nos levam a uma transformação ou tarefa, lógico, não quando falamos sobre a tecnologia física, pensando em chips e bytes. Se voltarmos no tempo e pensarmos em todas as tecnologias que a história usou, o foco da tecnologia sempre foi o de entregar a mensagem, seja de uma forma mais clara ou para mais pessoas.


Vamos pensar lá no começo da prática de contar histórias. A criação, depois o ritmo, música palavra, palavra escrita, palavra impressa – que foi a maior revolução de todas as tecnologias para a contação de histórias. Depois, podemos pensar em registro de imagem, transmissão de imagem e agora chegamos à interatividade.


O que eu quero com essa construção é explicar como a tecnologia ajuda a contar uma história. Essa live é um exemplo da evolução da tecnologia, mas o livro ainda é uma das melhores tecnologias já criadas para se contar histórias. Se molha, ele seca. Se rasga, ele cola. É possível carregá-lo e guarda-lo em qualquer lugar, não depende de energia elétrica. A tecnologia sempre deve servir, primeiro, a história.


Quando assistimos filmes cheios de efeitos especiais, mas como uma história ruim, a tecnologia não está servindo ao propósito dela na entrega daquela narrativa. Em primeiro lugar, deve-se pensar qual a história que você quer contar, a tecnologia vem depois, para servir à essa história.


David: Você já trabalhou com marcas muito grandes e verbas de marketing bastante significativas, como Nike, Diageo, Embraer. Que história você poderia compartilhar com a gente de uma dessas arcas, para ilustrar um pouco do que você está nos contando?


Bruno: Na Diageo nós trabalhamos com várias marcas e havia uma questão muito importante de manter a marca no centro e expandi-la para o universo em volta. Quando percebemos isso, a primeira coisa que fizemos foi colocar as pessoas no centro. Quem consome o produto é uma pessoa e essa pessoa tem um jeito de ser, então a primeira história que temos que contar é ter people center strategies.


Para isso, precisamos entender o que a marca representa, com quem ela fala e levar isso para o centro de qualquer planejamento. Uma vez que colocamos a pessoa no centro, começamos a entender que temos ações e reações, o que nos leva para a estrutura da narrativa: temos uma intenção – contar a história da marca para as pessoas, causa e efeito – montar uma narrativa à qual as pessoas reajam e interajam durante o período que a estratégia ocorrer e um significado.


Com a Nike foi diferente. O negócio deles explodiu por causa do esporte, principalmente o futebol, ainda assim houve primeiro um momento com a NBA – tanto que Michael Jordan e Ronaldo são símbolos muito importantes para a Nike. Mas como o futebol era muito importante, como podemos encontrar uma outra narrativa para a marca? Como voltar às origens de corrida e colocar mulheres na narrativa também? Reconstruir uma narrativa quer dizer que precisamos olhar novamente para esse lugar de história, entender quem está ouvindo e contar de novo.


A Nike fez uma ação muito importante para o mundo ao criar uma campanha em cima do Kaepernick (jogador da NFL), muito antes do que ocorreu com o George Floyd. Kaepernick se ajoelhou durante a execução do hino nacional em uma partida, como forma de protesto contra a morte de negros por policiais nos EUA. Esse ato o levou a ser cortado e boicotado pela NFL, os times não o aceitavam de volta. A partir desse caso, a Nike contou uma história com a defesa “faça o que você acredite, mesmo que isso te destrua”. Apesar do tema polêmico, eles não foram atacados por essa campanha, pois havia verdade na narrativa.


Por último, com a Embraer, fomos por um caminho de contar a história humana que há por trás da empresa. Além de focar no seu consumidor como pessoa no centro e encontrar a verdade da história que vai ser contada, o final é encontrar quais são as histórias humanas que temos para contar. Tudo parece muito óbvio, mas foi o caminho que nos trouxe até aqui.


David: Quais dicas você dá para que empresas que não possuem verbas tão grandes de marketing também consigam desenvolver o storytelling de sua marca e produto e ganhem relevância junto ao seu público?


Bruno: Citando Tyrion, personagem de Game of Thrones, nada pode vencer uma grande história. Claro que falar é fácil, mas se achar uma boa história fosse fácil, não estaríamos aqui falando sobre isso, mas também não é algo difícil. As empresas que eu participo nem sempre têm grandes verbas de marketing, mesmo que as grandes empresas. O que eu falo para empresas de todos os tamanhos é para que primeiro elas encontrem a sua verdade, isso é o que vai dizer qual é a sua história.


Se todos os colaboradores entenderem qual é a história da empresa, todas as áreas trarão melhores resultados, tanto o comercial quanto o marketing. É muito difícil o marketing desenvolver um trabalho que conte uma boa história e quando chegar no PDV, não tem a mesma história contada ali.


Então, minha dica é encontrem sua verdade, depois garanta que todos entendam qual a sua história, promovendo essa história dentro da empresa. Isso naturalmente vai se reproduzir depois. Feito isso, em qualquer lugar que você andar, você vai identificar quem são as pessoas que saberão contar a sua história, para que ela se propague.


Essa cadeia de propagação faz com que se explique, inclusive, o papel do influenciador digital (micro e macro) e que voltemos a pensar na tecnologia utilizada para contar histórias, essa é uma das ferramentas que podem ajudar no processo, principalmente quando encontramos quem são nossos pares, pessoas que conhecem, entender e acreditam na verdade e na história que está sendo contada. Ao comprar mídia, você está forçando a sua verdade, mas ao encontrar esses pares – que podem ser influenciadores – você consegue chegar mais longe.


David: Yurval Hahari fala muito sobre a criação dos mitos para manter a sociedade. Como as histórias ajudam uma empresa a manter a sensação de comunidade entre seu ecossistema?


Bruno: Citando o próprio Yurval Hahari, nesse livro ele diz que nenhum líder tem força para liderar, sozinho, mais de 150 pessoas. A empatia começa a se dissipar de alguma forma, então, para que isso se perpetue para milhares de pessoas, entra a mitologia. Mas como?


Existe uma frase que diz que a cultura come estratégia no café da manhã. A cultura dentro da empresa é algo muito forte e, normalmente, é reflexo de seus fundadores ou de onde ela surgiu. Se você entender essa ficção e a tornar equivalente a um arquétipo ou a uma mitologia, entendendo essa metáfora e quem você é, você consegue recontar essa história de uma maneira fácil.


O contador de histórias tem que olhar para quem o escuta e organizar as palavras que serão utilizadas. Você pode estar criando uma campanha para doação de dinheiro, falando com pessoas que vão ser demitidas ou contando suas ações para o mercado. É necessário manter a mesma história nas três situações. Se você não souber a metáfora que você está vivendo, desde o seu ponto de origem, você não entende o que está fazendo. Essa é a parte mais difícil.


Se você consegue identificar o arquétipo da sua empresa e, a partir dele, refletir a cultura e quem são seus fundadores, você começa a se comunicar sempre da mesma forma, através desse arquétipo. Isso é muito forte.


David: Falamos muito hoje em dia sobe gerar conversa. Você tem alguma dica para criar produtos que tenham esse efeito?


Bruno: Existe um TED do J.J. Abrams, criador da série Lost e um dos responsáveis pelo retorno da trilogia Star Wars. Nesse TED ele fala sobre uma caixa com itens para brincar de mágico, que ele ganhou de seu avô quando era criança, mas ele nunca a abriu, porque ele considera que a caixa é mais mágica em sua promessa de ser mágica do que se ele a abrir. Essa é uma técnica de roteiro chamada Mcguffin.


Mcguffin é todo objeto ou pessoa em um filme, que é o ponto mais importante do mesmo, mas sem que isso seja necessariamente explicado. Quem inventou esse termo foi Alfred Hitchcock. Um exemplo disso, no terceiro filme da saga Missão Impossível, eles passam o filme todo correndo atrás de um item chamado pé de coelho, que seria uma grande arma capaz de salvar ou destruir o mundo. Todo mundo sabe que pé de coelho é uma coisa relacionada a sorte. Em momento nenhum do filme eles explicam o que é pé de coelho.


O ponto é, se você tem um produto que é um copo que é apenas um copo, ok. Entre copos e copos, eu tenho milhões de copos. Agora, se o seu copo somado à Galinha Pintadinha se torna algo a mais, ou seja, se 1 + 1 é igual a 3, aí começa a conversar comigo de forma diferente. É preciso pensar o que, na narrativa desse personagem licenciado, representa um veículo para transportar líquidos para matar a sede?


Além de se preocupar com a qualidade e com style guide, pense como esse produto pode somar à narrativa do personagem. Bons exemplos que temos disso são da Cartoon Network, porque eles colocam o criador no centro para pensar nessas soluções. Talvez seja interessante procurar seu Mcguffin no momento de desenvolver os produtos.


David: Como você acha que as empresas devem contar suas histórias durante a pandemia? Vale mais fazer do que falar?


Bruno: Eu penso da seguinte forma, filmes sobre o Vietnã foram feitos por muitos anos, inclusive durante a guerra. A verdade sobre o Vietnã só apareceu 40 anos depois. A história acontece você querendo ou não, escolher um lado, agir ou não agir, tudo é um ato histórico. Agir com urgência para resolver problemas é uma coisa, ter pressa é outra.


Seja qual for a história que você queria contar, por que você quer contar? A sua empresa vai quebrar? Você vai precisar demitir muitas pessoas? Você precisa abraçar a oportunidade de todo mundo estar em casa? Porque a história será contada de qualquer forma, controlar a narrativa é o que todo mundo quer.


Se pensarmos em termos políticos, falando sobre dois líderes polêmicos e amados ao mesmo tempo, Lula e Bolsonaro têm narrativas e você pode vender essa narrativa para os dois lados, mas controlar a narrativa é muito difícil. Agora, ouvir as narrativas que estão acontecendo, entender qual a sua participação nelas e contribuir, faz mais sentido.


Todo mundo com quem eu trabalho está se questionando se essa é uma chance para haver mudanças definitivas. Pela primeira vez na história todos os seres humanos estão passando pela mesma situação, mas de formas muito diferentes. Há pessoas que não sentem nenhuma diferença enquanto outras estão morrendo e perdendo tudo, mas todos vivem a mesma condição. Será que podemos ser mais realistas e humanos e sair dessa se todos mudarem um pouco os extremos que existem?


Estórias da pandemia que estão dando certo e que, provavelmente, entrarão para a história, são as em que alguém parou para ouvir as narrativas e entender onde poderiam contribuir. Não à toa um tema urgente, como o do racismo, se tornou tão tenso nos EUA. São questões que a gente tem que olhar. Uma empresa que já entendeu seu lugar no mundo precisa se preocupar com quais narrativas ela participa.


Antes de ter pressa de contar uma história porque a oportunidade está passando, temos que saber quais narrativas estão acontecendo. Agora, se você vai quebrar, ter muitas demissões e causa um impacto grande no mercado, ou mesmo se você estiver lucrando demais – porque tem quem esteja lucrando muito, você precisa saber como se comportar diante desses cenários. Uma estória é uma rua de duas mãos, precisamos ouvir muito para poder contar uma história.


David: É importante identificar a diferença entre oportunidade e oportunismo, certo?


Bruno: As pessoas sabem qual é a diferença no momento que vão tomar alguma atitude, o que muda é a história que elas contam para elas mesmas para tentar justificar quando estão sendo oportunistas. Um exemplo é durante esse mês de julho, que é o mês do Pride. É muito fácil abrir o Photoshop, selecionar as cores do arco-íris, sem saber exatamente quais ou quantas são e aplicar em um produto ou campanha. Mas aquelas cores todas possuem um significado, há pessoas que lutam a vida inteira por isso, mas ainda assim nós vimos marcas lançando produtos com o arco-íris errado.


David: Você pode contar um pouco sobre a WIP, seu novo empreendimento?


Bruno: A WIP é uma empresa criada para eu tentar resolver um problema meu com o mundo. Como eu posso acelerar estórias e negócios? Como eu pego autores, propriedades intelectuais ou canais viabilizadores que querem produzir ou fazer estórias e organizo esses pensamentos?


O objetivo da WIP é diminuir o risco, aumentar valor, criar processos no desenvolvimento e na criação de propriedade intelectual para entretenimento, que pode ser um filme, uma HQ, um game. Nesse projeto eu consigo juntar um pouco de tudo que eu aprendi na vida até hoje. Eu brinco que eu vivi dois ciclos de 21 anos, no primeiro eu estava aprendendo a ser humano e no segundo foi aprendendo a ser um homem de negócios.


Eu junto esses dois ciclos para servir aos 3 “Brunos” que habitam em mim: o que gosta de brincar e contar histórias, o que sabe contar histórias e fazer dinheiro com isso e, por fim, aquele que acredita que tem outras pessoas que também devem contar histórias. A raiz da WIP é encontrar as novas narrativas, tem sido uma jornada de 2 anos muito interessante e com muito aprendizado.


David: Como podemos ajudar os contadores de histórias brasileiros a chegarem a um alcance global?


Bruno: O criador – e falo sobe criadores de qualquer nacionalidade – se sente culpado quando olha para a sua criação como negócio, ao mesmo tempo, quando a coisa evolui e ele percebe que não enxergou isso no começo do desenvolvimento, é muito difícil. Então, para auxiliar na projeção desse trabalho o primeiro passo é formar pessoas e oferecer um conteúdo jurídico, financeiro e o que mais for necessário e garantir a oportunidade da troca de experiências.


O importante é dividir conhecimento e encontrar um lugar comum de crescimento para todos, dessa forma, conseguiremos responder a projeções futuras. Eu acredito que o Brasil tem condições de ter personagens capazes de tocar pessoas em qualquer lugar do mundo, mas precisamos desenvolver esse negócio sem depender de governo ou marcas.


David: Nós sempre pedimos que os convidados nos deem dicas de sites, livros, enfim, de referências que eles achem interessantes. Quais são as dicas que você pode compartilhar com a gente?


Bruno: Para conhecer e entender melhor o conceito de storytelling, eu começaria pelo Future of Storytelling, que é um encontro anual que ocorre nos EUA, mas eles também têm um site com bastante conteúdo traduzido e um podcast. Nesse lugar há muitas entrevistas e conteúdos coletados e eles falam sobre storytelling da forma que eu estou falando. Esse é um ótimo lugar para trocar informações.


Também indico esse perfil aqui, @estoriadores mesmo sendo humilde, através dele eu venho coletando dados e informações para aprender e falar mais sobre o storytelling no Brasil. Eu faço apenas uma pergunta com esse perfil: o que é uma estória?


David: Para encerrar, você gostaria de passar alguma mensagem final?


Bruno: Eu nasci desenhando, porque via meu irmão desenhar e me descobri desenhista também, a partir daí construí uma carreira. Uma coisa que eu descobri como desenhista é que todo mundo desenha, o problema é que nós julgamos o que desenhamos.


O que eu quero dizer é o seguinte, todo mundo sabe storytelling, o que precisamos é ter a coragem de entender que a estrutura da história, ou a história que você quer contar, já está em você. Ao contar você vai ser julgado e criticado, mas a evolução vem com o tempo. Minha conclusão é que somos todos estoriadores.

 
 

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